Depois de um primeiro dia
chuvoso e ventoso, e um segundo pardacento, mas com vistosas melhorias, para o
terceiro e derradeiro dia do SonicBlast estavam apontadas risonhas
previsões climatéricas e a manhã tratara bem cedo de as converter em
inabaláveis certezas. O Sol estava de regresso a Moledo, a brisa
esmorecia e aquecia, e a abertura do palco da piscina estava também assegurada.
Não haveria melhor forma de finalizar esta 9ª edição do festival. Calendarizado
em território veraneio, o SonicBlast é um festival pensado para decorrer
debaixo de Sol e abraçado pelo calor, e este seu último dia garantira
finalmente todas essas condições.
Mexicanos em alta rotação e uma piscina em borbulhante ebulição.
Depois de um imprevisto que
me fizera deslocar até à cidade de Viana do Castelo – tendo por lá almoçado –
foi já com o power-trio berlinense Maggot Heart em palco que
acorrera ao recinto da piscina. Tempo para combater o crescente calor – que se
expressava com vivacidade – de cervejas empunhadas e cabeças esvoaçadas à
boleia do irreverente, intenso e ardente Post-Punk destes germânicos.
Mas a piscina não demorava a conhecer o seu ponto alto do dia com a subida a
palco do duo mexicano Cardiel. Por mim elogiados em 2017, aquando do
lançamento do seu exótico EP ‘Aloha From Fuzz’ (review aqui),
esta era(-me) uma das bandas mais imperdíveis do festival. Munidos de uma
sonoridade camaleónica e de paladar tropical, que se distende de um vertiginoso
Punk Rock com indiscretas aproximações a um revoltoso Hardcore,
passando pelos negros, densos e lamacentos domínios do Sludge de
roupagem Doom’esca, e desaguando num acalorado, dançante, festivo e
inesperado Reggae de sensual condução Funky. E se todo este
sortido de géneros pode na teoria parecer indigesto, a verdade é que a ousada
receita musical sugerida pelos Cardiel resultara numa piscina lotada,
conquistada e em plena ebulição. Na plateia vivia-se um clima de saturada
euforia que contagiara não só os corpos secos que se tumultuavam em prazerosas
convulsões, como os tantos molhados que no interior da piscina faziam da mesma
um autêntico caldeirão em borbulhante exaltação. Uma performance
verdadeiramente irrepreensível que tomara de assalto todo um auditório pasmado
e enfeitiçado pela epidémica energia transpirada do palco. De coração
entusiasmado e corpo salpicado pelo muito participado mosh pit aquático,
dirigia-me agora na direcção do campismo para renovadas tertúlias condimentadas
a cerveja.
A frescura californiana, o (in)tenso negrume
e a consagração da Alma.
Finalizando o tridente de
referências repescadas a San Diego, o fascinante colectivo Sacri
Monti – em parceria com os seus conterrâneos Earthless e Petyr
– trazia a Moledo todo o seu majestoso, embriagante e esplendoroso Prog
Rock tingido a revivalismo e ainda com uma forte influência de um primoroso,
ensolarado e copioso Heavy Psych superiormente executado à boa moda
californiana. Depois de em 2016 terem apresentado ao vivo o seu tão aguardado álbum
de estreia (review aqui), este quinteto norte-americano
regressava agora à Praia de Moledo com o recém-lançado segundo trabalho
de longa duração (review aqui) e tudo em mim me empurrava na
direcção do recinto principal para repetir a catártica experiência que representa
vivenciar Sacri Monti em palco. De olhares cravados na já vasta plateia
que se ia posicionando e consolidando à sua frente, sorrisos tímidos no rosto e
instrumentos empunhados, os Sacri Monti iniciavam a sua maravilhosa
performance para um público entusiasta. Com todos os temas da sua ainda curta
discografia bem reconhecidos e presentes em mim, ia acompanhando e sussurrando no
meu universo imaginário não só os Riffs elegantes, tóxicos e delirantes
como os incessantes, torrenciais, siderais e alucinantes solos – muitas vezes
apanhados em contramão – desprendidos por duas guitarras endeusadas que se
entrelaçavam em empolgados diálogos com um adorável órgão de envolventes e
eloquentes bailados de atmosfera sonhadora, um vigoroso e ostentoso baixo de
linhas flutuantes, fibróticas e magnetizantes, uma entusiástica bateria de desembaraçadas
e talentosas acrobacias John Bonham’eanas, e ainda uma carismática
voz que balanceia entre a textura delicada e melodiosa e a encrespada e
revoltosa. Ninguém mostrava a mais pequena indiferença perante todas as sublimes
composições de beleza arquitectónica que os Sacri Monti conduziam a requintada
e inspirada excentricidade. No final e depois de um demorado aplauso aos
californianos, encaminhei-me na direcção do merchandising para trazer debaixo
do braço aquele que seria a última cópia física em CD do seu último ‘Waiting
Room for the Magic Hour’ ali presente para venda.
O negro manto da noite começava a arrastar-se e a afirmar-se pelo dia adentro, e a luminosidade em palco de tonalidade púrpura não enganava nenhum dos ali presentes: os tão aguardados Windhand estavam aí. Naturais da histórica cidade de Richmond (capital do estado norte-americano da Virgínia) os Windhand são hoje uma das mais consagradas referências da música Doom contemporânea, e depois de terem cancelado a sua presença numa das edições passadas do SonicBlast Moledo, recolhiam hoje a si uma das maiores fatias da expectativa trazida pelos festivaleiros que atestavam a presente edição. Pressentia-se que deles viria uma das mais inolvidáveis performances do festival e assim se materializou. Debaixo de um crescente coro de aplausos ruidosos e gritos motivantes, os Windhand iniciavam o seu emblemático ritual de adoração pagã, levando com eles toda uma extensa plateia de alma sedada e olhar petrificado pelos eclipsados, enigmáticos, sorumbáticos e misantrópicos territórios do Psych Doom. Uma monolítica avalanche de denso negrume varria o público, soterrando-o numa mélica, nebulosa, poderosa e psicotrópica melancolia impossível de contrariar. De alma enlutada, sentidos desmaiados e corpo lentamente balanceado, respondíamos de forma instintiva à pesada, vigorosa, dominante e delongada reverberação ocultista destilada e exorcizada da cerimonial sonoridade de Windhand. E foi nas asas de uma profana guitarra de Riffs encorpados, tensos, densos e amaldiçoados, e solos delirantes, gélidos, ácidos e penetrantes, um baixo massivo de linhas monstruosas, torneadas, violentas e rumorosas, uma bateria galopante de ritmicidade trovejante, explosiva, altiva e rutilante, e ainda uma voz espectral, translúcida, cristalina e melódica – a contrastar com o veemente negrume instrumental – que de olhar cerrado e semblante tombado sobre o peito nos deixámos envolver e embevecer neste brumoso, sombrio e tumultuoso oceano da mais pura lisergia e misantropia. Não foi fácil despertar de toda esta luciférica liturgia e contrariar o espesso torpor que nos corria pelas veias. Windhand foram verdadeiramente titânicos em palco e a ressaca dos mesmos ameaça em mim subsistir até que a futura memória se esqueça de os recordar. Era tempo de silenciar os rugidos estomacais na zona de restauração, relaxar os cansados músculos das pernas e regressar a tempo de comungar todo o misticismo de OM.
Esta era a terceira vez que experienciaria o sagrado rito deste trio superiormente liderado pelo profético druida Al Cisneros, mas o meu coração comportava-se como se da primeira tratasse. Assim que reconhecidos em palco, o imenso auditório explodira num colossal bramido a uma só voz entusiasmada e arremessada na direcção destes três monges fielmente devotos ao lado mais religioso do Mantra Doom. Imediatamente convertidos em seus fiéis discípulos, assim que os primeiros acordes foram dedilhados e exorcizados do carismático baixo Rickenbacker, e por nós todos pressentidos e reconhecidos, embalámos numa demorada e consagrada peregrinação pelos incomensuráveis desertos da nossa espiritualidade. De olhar eclipsado e alma canonizada, as nossas cabeças contorciam-se até onde a extensão de cada nota alcançava. Estávamos todos integralmente absorvidos pela santificada missa rezada pelos OM e o palco principal representava agora um verdadeiro altar ao qual todas as mais elogiosas venerações eram arremessadas. Numa harmoniosa digressão pelos derradeiros álbuns que adornam esta prestigiada banda norte-americana, os OM emanciparam em Moledo todas as suas divinas ressonâncias com base num rumoroso, expressivo e portentoso baixo de linhas ungidas a coesão, fluidez e robustez, uma bateria circense de extravagantes, habilidosas e incessantes acrobacias, um intrigante sintetizador criador de uma atmosfera climatizada a devoção, e uma voz messiânica que lidera com apaixonante e hipnotizante lirismo toda esta sacra romaria destinada ao tão almejado e imaculado transe religioso. Vivia-se um ofuscante e universal estádio de profundo bem-estar que nos desencorajava a tentação de abrir as pálpebras e despertar de todo aquele sonho acordado. Foi demasiado fácil deixarmo-nos glorificar e canalizar pela terapêutica infusão de OM e desaguar num perfeito oásis mental que nos banhara e extasiara do primeiro ao último tema. OM foi toda uma endeusada imersão à qual ninguém se recusou comungar. No final – quando todos os instrumentos se calaram e perpetuaram no silêncio – estávamos todos órfãos daquela mística reverberação que nos desobstruíra todos os caminhos de encontro ao Paraíso. Não foi fácil aceitar que a eucaristia havia terminado, mas reinava em cada um de nós a completa e irrefutável sensação de que havíamos testemunhado algo de verdadeiramente purificador. Corações ao alto, o nosso coração esteve em OM.
O negro manto da noite começava a arrastar-se e a afirmar-se pelo dia adentro, e a luminosidade em palco de tonalidade púrpura não enganava nenhum dos ali presentes: os tão aguardados Windhand estavam aí. Naturais da histórica cidade de Richmond (capital do estado norte-americano da Virgínia) os Windhand são hoje uma das mais consagradas referências da música Doom contemporânea, e depois de terem cancelado a sua presença numa das edições passadas do SonicBlast Moledo, recolhiam hoje a si uma das maiores fatias da expectativa trazida pelos festivaleiros que atestavam a presente edição. Pressentia-se que deles viria uma das mais inolvidáveis performances do festival e assim se materializou. Debaixo de um crescente coro de aplausos ruidosos e gritos motivantes, os Windhand iniciavam o seu emblemático ritual de adoração pagã, levando com eles toda uma extensa plateia de alma sedada e olhar petrificado pelos eclipsados, enigmáticos, sorumbáticos e misantrópicos territórios do Psych Doom. Uma monolítica avalanche de denso negrume varria o público, soterrando-o numa mélica, nebulosa, poderosa e psicotrópica melancolia impossível de contrariar. De alma enlutada, sentidos desmaiados e corpo lentamente balanceado, respondíamos de forma instintiva à pesada, vigorosa, dominante e delongada reverberação ocultista destilada e exorcizada da cerimonial sonoridade de Windhand. E foi nas asas de uma profana guitarra de Riffs encorpados, tensos, densos e amaldiçoados, e solos delirantes, gélidos, ácidos e penetrantes, um baixo massivo de linhas monstruosas, torneadas, violentas e rumorosas, uma bateria galopante de ritmicidade trovejante, explosiva, altiva e rutilante, e ainda uma voz espectral, translúcida, cristalina e melódica – a contrastar com o veemente negrume instrumental – que de olhar cerrado e semblante tombado sobre o peito nos deixámos envolver e embevecer neste brumoso, sombrio e tumultuoso oceano da mais pura lisergia e misantropia. Não foi fácil despertar de toda esta luciférica liturgia e contrariar o espesso torpor que nos corria pelas veias. Windhand foram verdadeiramente titânicos em palco e a ressaca dos mesmos ameaça em mim subsistir até que a futura memória se esqueça de os recordar. Era tempo de silenciar os rugidos estomacais na zona de restauração, relaxar os cansados músculos das pernas e regressar a tempo de comungar todo o misticismo de OM.
Esta era a terceira vez que experienciaria o sagrado rito deste trio superiormente liderado pelo profético druida Al Cisneros, mas o meu coração comportava-se como se da primeira tratasse. Assim que reconhecidos em palco, o imenso auditório explodira num colossal bramido a uma só voz entusiasmada e arremessada na direcção destes três monges fielmente devotos ao lado mais religioso do Mantra Doom. Imediatamente convertidos em seus fiéis discípulos, assim que os primeiros acordes foram dedilhados e exorcizados do carismático baixo Rickenbacker, e por nós todos pressentidos e reconhecidos, embalámos numa demorada e consagrada peregrinação pelos incomensuráveis desertos da nossa espiritualidade. De olhar eclipsado e alma canonizada, as nossas cabeças contorciam-se até onde a extensão de cada nota alcançava. Estávamos todos integralmente absorvidos pela santificada missa rezada pelos OM e o palco principal representava agora um verdadeiro altar ao qual todas as mais elogiosas venerações eram arremessadas. Numa harmoniosa digressão pelos derradeiros álbuns que adornam esta prestigiada banda norte-americana, os OM emanciparam em Moledo todas as suas divinas ressonâncias com base num rumoroso, expressivo e portentoso baixo de linhas ungidas a coesão, fluidez e robustez, uma bateria circense de extravagantes, habilidosas e incessantes acrobacias, um intrigante sintetizador criador de uma atmosfera climatizada a devoção, e uma voz messiânica que lidera com apaixonante e hipnotizante lirismo toda esta sacra romaria destinada ao tão almejado e imaculado transe religioso. Vivia-se um ofuscante e universal estádio de profundo bem-estar que nos desencorajava a tentação de abrir as pálpebras e despertar de todo aquele sonho acordado. Foi demasiado fácil deixarmo-nos glorificar e canalizar pela terapêutica infusão de OM e desaguar num perfeito oásis mental que nos banhara e extasiara do primeiro ao último tema. OM foi toda uma endeusada imersão à qual ninguém se recusou comungar. No final – quando todos os instrumentos se calaram e perpetuaram no silêncio – estávamos todos órfãos daquela mística reverberação que nos desobstruíra todos os caminhos de encontro ao Paraíso. Não foi fácil aceitar que a eucaristia havia terminado, mas reinava em cada um de nós a completa e irrefutável sensação de que havíamos testemunhado algo de verdadeiramente purificador. Corações ao alto, o nosso coração esteve em OM.
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