Os espanhóis Mohama
Saz estão de regresso com um dos álbuns mais grandiosos de 2020. Depois dos
mais recentes títulos ‘Negro es el Poder’ de 2017 (aqui desconstruído e
elogiado) e ‘Viva el Rey’ de 2018 (também aqui desmantelado e reverenciado), estes sultões madrilenos prosseguem agora a sua consagrada peregrinação na
direcção do Sol nascente que se debruça no oriente, com este renovado capítulo
discográfico dado pelo nome de ‘Quemar las Naves’ e que fora muito
recentemente lançado através do selo discográfico independente Humo sob
a forma física de vinil. De instrumentos apontados a um contagiante, colorido,
delirado e excitante Psychedelic Rock – polvilhado com condimentos
mediterrânicos e ventilado por um dançante, arenoso, majestoso e fascinante World
Music de deslumbrante inspiração turca – este quarto álbum do quinteto
hispânico não poderia ser mais do meu agrado. De coração a transbordar devoção,
pés descalços trilhando as aveludadas, finas e bronzeadas areias de protuberantes
dunas que se empolam no vasto oceano desértico, e olhos içados no longínquo firmamento
fervilhado pelo intenso bafo de um Sol febril, somos gravitados de encontro à
paradísica Babilónia com os seus imponentes, arborizados e verdejantes jardins
suspensos. Toda uma nirvânica digressão de afago sensorial e alimento espiritual
que nos absorve, extasia e revolve num miraculoso ritual. São 35 minutos de uma
quimérica liturgia que nos purifica a alma e reveste o olhar com uma expressão
sonhadora. Na génese desta cerimónia faraónica soberbamente musicada está um principesco
baglama de sotaque pérsico que rubrica enfeitiçantes, arabescos,
expressivos e serpenteantes acordes, e centrifuga atordoantes enxames de vistosos,
alucinógenos e venenosos solos, uma portentosa bateria de delicada, habilidosa e
luxuosa orientação rítmica aliada a uma exótica percussão de natureza tribal, um
pululante baixo de reverberação meditativa, torneada, ondulada e imaginativa, um
clarinete fabular de vagas palpáveis tecidas a doçura, melodia e simetria, um ostentoso
saxofone de ziguezagueantes, inesperados e uivantes sopros que driblam todos os
restantes instrumentos, vocais de coros evangélicos, messiânicos e angelicais que nos
iluminam e mapeiam as regiões até então desconhecidas da nossa imaterialidade,
e ainda triunfantes sintetizadores que sulfatam toda a esta esfíngica atmosfera
com a sua enigmática e profética nebulosidade de aroma celestial. ‘Quemar
las Naves’ é uma obra verdadeiramente deífica que nos banha de uma intensa
luzência trigueira e promove a deserção da consciência pelas eternas planuras
da religiosidade. Recebam a bênção de Mohama Saz que em vós perpetuará
toda uma sensação de pleno bem-estar e uma eufórica dormência impossível de
perturbar, e comunguem a ofuscante sublimação de um dos registos mais obcecantes,
tantalizantes e piramidais do presente ano. Corações ao alto. Tudo em nós dança
ao som redentor de Mohama Saz.
domingo, 13 de dezembro de 2020
Review: ⚡ Mohama Saz - 'Quemar las Naves' (2020) ⚡
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