Na primavera
de 2019 compunha apaixonadas palavras acerca da muito promissora estreia dos bracarenses
Travo (intitulada ‘Ano Luz’ e aqui percorrida), e hoje
– na forte ressaca do seu novíssimo álbum em mim deixada – sou novamente impelido a
replicar-lhes os mais elevados elogios. Como feliz consequência do seu
crescimento meteórico, nasce o irretocável ‘Sinking Creation’ carimbado
pela promotora portuguesa Gig.Rocks e lançado através do formato digital
e de uma largamente apelativa edição física em CD. Inspirada no livro de ficção
científica ‘The Blue World’ – escrito pelo californiano Jack
Vance e originalmente lançado em 1966 – que explora as aventuras e
desventuras de uma civilização de colonos humanos que habita acima de plantas aquáticas,
num mundo integralmente coberto pelo infindável oceano, e onde é periodicamente
invadida e salteada por titânicos, míticos e predatórios monstros, esta impactante
obra – soberbamente musicada – vem farolizada por um venenoso, eruptivo,
corrosivo e lodoso Heavy Psych de altíssima tensão e rotação a fazer imediatamente
recordar os electrizantes franceses SLIFT, um viajante, experimental,
sideral e atordoante Space Rock de sónico escapismo centrifugado à boa
moda Hawkwind’eana, um ritmado, quente, efervescente e
apimentado Garage Psych sintonizado na mesma frequência da tríade australiana
King Gizzard & the Lizard Wizard, The Murlocs e ORB, e
ainda um magnético, esponjoso, contagioso e profético Krautrock de robótico pulsar germânico. A sua sonoridade
polposa, nutritiva, criativa e majestosa – que pendula entre turbulentas rajadas
de sísmica euforia e reflexivas passagens de aquosa letargia – tanto mergulha o
ouvinte num fumarento e borbulhante caldeirão em intensa ebulição, como lhe
massaja o cérebro e reconforta o espírito num balsâmico oásis sensorial de
clima glacial. De consciência desancorada, encarcerados num febril estádio de embaciado
sonambulismo e lucidez naufragada numa caleidoscópica vertigem, somos içados para
o fantástico universo de Travo à cativante boleia de letras atemorizantes
e instrumentais purificantes. Embarquem nessa quimérica odisseia, brilhantemente
capitaneada por duas guitarras psicotrópicas de ciclónicos, motorizados, oleados
e catatónicos Riffs – distorcidos pelo fogoso e crepitante efeito Fuzz
– de onde são vomitados caóticos, delirantes, derrapantes e exóticos solos, um
baixo murmurante de linhas ondeantes, torneadas, insufladas e pulsantes, uma estrepitosa
bateria detonada a empolgante, inflamante e redentora explosividade, um mágico sintetizador
que sulfata toda a atmosfera do álbum com uma alucinógena fantasmagoria, e ainda
uma messiânica voz de tez avinagrada, tremulante, intrigante e esbranquiçada.
De destacar ainda o extraordinário artwork – caprichosamente ilustrado pelo
artista portuense IMUNE – que, de forma tão fiel, representa tudo aquilo
que a catártica musicalidade deste ‘Sinking Creation’ desafoga e agiganta no
imaginário de quem a comunga. Este é um álbum verdadeiramente avassalador. Um
registo espantoso que me enchera e extravasara as medidas. Não vai ser nada
fácil contrariar o imenso favoritismo dos Travo à conquista do título de
melhor disco nacional de 2022.
quinta-feira, 3 de março de 2022
Review: ⚡ Travo - 'Sinking Creation' (2022) ⚡
★★★★★
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