É ainda de alma tingida de
saudosismo que escrevo esta crítica à mais recente edição daquele que é o meu
festival de eleição dentro de portas. Chegámos a Moledo no final da manhã de
sexta-feira, 15 de Agosto, depois de percorridos cerca de 200km de estrada
beijada pelo sol. Depois de escoados pelas estreitas ruas de Moledo, apiadas de
carros e transeuntes, lá chegámos ao tão almejado parque de campismo: um extenso
pinhal repleto de sombras, onde coabitava uma ligeira brisa marítima (dada a
proximidade da praia). O primeiro sinal de aprovação estava dado. Lá erguemos
as mochilas aos ombros, empunhámos as pesadas geleiras e irrompemos floresta
adentro. Serpenteámos as várias tendas já ancoradas no solo e escolhemos um
local ensombrado, vigiado por imponentes pinheiros e onde a privacidade ainda
reinava para atracar. Se nas ancestrais edições do festival era possível
aproveitar os intervalos entre concertos para as rápidas incursões à tenda
(mais concretamente às geleiras onde tintilavam garrafas de vinho e cerveja),
nesta edição, dada a considerável distância terrena entre o parque de campismo
e o festival, optámos por prescindir de alguns dos concertos para que
pudéssemos manter viva esta nossa tradição.
Mas vamos ao que interessa:
ACID MESS
Piscina, 16h30. Os Acid Mess subiam
ao palco debaixo de um sol abrasador que respirava boa saúde. A plateia ainda
ressacada da experiência Solar Corona recompunha-se e compactava-se novamente fronte
ao palco, depois das incursões à piscina e à barraca da cerveja. O cansaço
sintomático de uma viagem de 3 horas acima de um alcatrão fervilhante - que se
renovava ininterruptamente no horizonte - começava a dissipar-se e a boa disposição
a expandir-se. Acid Mess brindaram todos os presentes com uma performance concisa
e orgânica, exalando fibróticos riffs
na atmosfera e consequentemente desmoronando qualquer contenção ou reserva da
plateia. O público respondia abanando a cabeça. Uma brisa suave e revitalizante
passeava-se por entre aqueles corpos de movimentos pendulares. A harmonia
adjectivava-se crescente. Nas costas de um Rickenbacker portentoso e groove’sco, no entorpecedor abraço de
uma guitarra estarrecedora e delirante capaz de nos amortalhar os sentidos e
elevar aos recantos mais insondáveis da leviandade, e nas delirantes incursões
de uma bateria alusiva ao requintado Rock dos anos 70, o trio espanhol fez
levitar toda uma plateia de copos de cerveja empunhados aos mais altos e
distantes firmamentos. Um psicadelismo arrastado mas definido que nos manobrou
pelas ruas da ebriedade.
PRISMA CIRCUS
Já a noite estendia o seu manto
purpúreo pelo céu, quando estes hippies da era moderna subiam ao palco
principal do Sonic Blast. Prisma Circus era mesmo a banda do 1º dia que mais
eco dava à minha expectativa. Deles esperava uma verdadeira dose de adrenalina,
uma intensa combustão etérea de prolongada duração e uma das vivências musicais
mais marcantes de sempre. E assim foi. Prisma Circus arrancaram para uma
performance avassaladora e altamente estonteante. Uma pujante descarga groove’sca que se abatera com enorme
presença nas almas dos que por ali deambulavam. Estes três reis magos
trouxeram-nos um baixo bafejante, hipnótico e possante, uma guitarra indomável
que desprendia solos de desarmante beleza e uma bateria John Bonham’eana
deliciosamente ritmada e conquistadora que fez com quem os meus ouvidos salivassem
durante todo o concerto. Foi toda uma orgia sensorial experienciada de
pálpebras cerradas e corações ao alto. Uma verdadeira ode à melhor e mais
productiva década musical. O público respondia como podia a todo este carnaval prazeroso.
Foi um concerto inesquecível de uma das bandas que mais me estimula na
actualidade.
BLACK BOMBAIM
Já devo ter visto Black Bombaim ao
vivo umas 10 vezes (isto desde 2009 em Brant Bjork até este último concerto no
Sonic Blast) e não “consigo” cansar-me nem um pouco. Este trio oriundo de
Barcelos tem o raro dom de surpreender e fermentar a sua sonoridade como poucas
bandas o conseguem fazer. Existe sempre um acréscimo de qualidade nas suas
performances, e esta última no Sonic Blast não escapou à regra. A plateia
respondia numa euforia contida e vivida ostentada numa dança oscilante e
hipnótica. Foi um concerto bastante intimista que nos elevou ao apogeu do
onirismo. Foi impossível não dançar Black Bombaim! O público manifestava-se de
forma delirante face a um baixo musculado intensamente ritmado e orgânico, uma
guitarra que vomitava gemidos lisérgicos a uma velocidade inimaginável e uma bateria
estonteante de rédeas bem empunhadas. Toda uma cerimónia sensorial de almas
apontadas ao insondável cosmos e pés cobertos de areia fervilhante. Uma jornada
pelas hipnóticas estradas da alucinação. Começa a ser difícil responder de
forma justa e desejada à sonoridade de Black Bombaim, pois imprimem na
atmosfera um verdadeiro frenesim caótico que nos obriga a prazerosos espasmos.
Mais um concerto grandioso desta banda que começa a justificar palcos tão para
lá da nossa via láctea. Foi difícil acordar de Black Bombaim!
CHURCH OF MISERY
Cavalgada doomesca de por os olhos em bico! Este quarteto nipónico
inteiramente dedicado ao lado mais sabbath’eano da música exibiu-se numa
performance verdadeiramente extasiante. Uma conquistadora descarga groovesca
que pôs toda uma plateia em exaltação. Riffs monolíticos, ostentosos e viris
numa verdadeira remontada que nos enfeitiçou e convidou à pesada submissão.
Church of Misery foi uma penetrante inalação psicotrópica que prontamente nos
enevoou e arrastou a consciência para terrenos estrangeiros. Uma intensa e
radiante cavalgada nas asas de um baixo estarrecedor que exalava ritmo e
robustez numa dança conjunta com uma guitarra dominante, portentosa e visceral.
A plateia endoidecia com os riffs
avassaladores de Church of Misery. A bateria tiquetaqueava todo este cortejo
lentificado e uma voz cavernosa e gutural nascia e morria em simultâneo num
trespassante grunhido ascendido da erosão do riff. O público contorcia-se num claro gesto de obediência. Estávamos
todos dominados pela pujança e corrosão dos acordes que se repetiam. Foi um
concerto autenticamente estrondoso que certamente deixará resquícios na memória
de quem o vivenciou.
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