A aurora empalidecia e o som dos
primeiros fechos éclairs acordava aqueles que, ainda no interior da tenda e de
pálpebras semicerradas, combatiam os primeiros raios solares. A manhã do segundo
dia do Sonic Blast estava aí. Num esforço cauteloso lá saí da tenda e inspirei
as primeiras brisas da madrugada num prolongado momento meditativo. A
vizinhança gatinhava para o exterior da tenda, espreguiçava-se e bocejava de
forma contida. A lucidez ganhava forma e a ansiedade em relação aos concertos
da tarde e – principalmente - da noite também.
Adiante..
Adiante..
STONE DEAD
Foi acima de uma plateia muito bem composta que este quarteto natural de Alcobaça subiu ao palco e empunhou os instrumentos. Não foi preciso terminarem o 1º tema para que algum do público se levantasse e respondesse com justiça a toda aquela descarga sonora. Stone Dead revelou-se um pesado cargueiro domesticando com enorme autoridade acima de um imenso e revoltoso oceano. Rock N’ Roll elegante e musculado. Uma intensa cavalgada às costas de um baixo funk’adélico, duas guitarras enfurecidas que rivalizavam entre si pelo protagonismo, uma bateria estonteante e esquizofrénica, uma harmónica distinta e arrepiante, e uma voz regada de whiskey. Stone Dead apresentaram-se numa performance intensa, grotesca e robusta de um sentido apenas. Para mim o concerto mais entusiástico da piscina.
BLUES PILLS
Aqui mora um dos principais causadores das batidas empolgadas do meu coração. De Blues Pills esperava um verdadeiro carnaval de prazer onde o Blues mais meloso e elegante se passeia com enorme mediatismo. A banda sueca arrancou para uma exibição estarrecedora e aprazível. De microfone bem agarrado, a Elin Larsson encantou toda uma plateia com o seu doce bafo. Nas suas costas, a guitarra contorcia-se em gemidos celestiais e envaidecidos, dando enorme vivacidade e harmonia aos riffs por ela expelidos; O baixo agitava-se numa hipnótica e sensual dança, e a bateria aureolava com maestria toda esta magia cadenciada. Uma distinta e audível orgia entre o Blues e o Psychedelic Rock que todos nós quisemos testemunhar e nela comungar. Respirava-se toda uma fragância de encantamento e inabalável aprovação que se prolongou por todo o corpo do concerto. Até a Lua deixou de brilhar com exuberância para que os Blues Pills pudessem ser a única luz no firmamento daquela odisseia embriagada.
MY SLEEPING KARMA
Depois de vistos por duas vezes (Munique e Madrid), chegara a 3ª vez que ouviria ao vivo estes eremitas de almas viradas para o hinduísmo. O quarteto alemão convertera todos os agnósticos em fiéis seguidores das doutrinas de Shiva. Uma cerimónia sagrada que nos sepultou a consciência e transformou as nossas cabeças num dançante turíbulo. Logo aos primeiros acordes, a plateia contorceu-se prazerosamente numa manifestação de firme devoção. My Sleeping Karma eterizaram toda uma plateia com os seus riffs altamente autoritários e de atmosfera psicotrópica. O público olhava-se de olhos semi cerrados numa jornada introspectiva tão profunda quanto vivida. A sagrada meditação altamente contagiante. Foi fácil perder-me numa guitarra endeusada que nos convertera em peregrinos norteados pelo transe. Foi fácil dançar ao som de um baixo intensamente delirante e hipnótico que nos pulverizou a alma com o seu bafo divino. Foi fácil ascender aos mais altos horizontes onde o Cosmos se regenera ao som do magistral e profético sintetizador. Foi fácil entregar todo o controlo de um corpo adormecido a uma bateria altamente viajante e contagiante. No final do concerto ficámos por ali alguns minutos a pendular enquanto a acordada consciência não regressava e em nós pousava. Uma prolongada vénia a eles!
THE ATOMIC BITCHWAX
Começava a cheirar intensamente a borracha queimada. The Atomic Bitchwax foi um pujante muscle car usando e abusando do seu motor V8 pelas infinitas e calejadas autoestradas do deserto. Uma violenta descarga groove’sca que abalou e embalou toda uma plateia de cabelos ao vento. Foi verdadeiramente estonteante testemunhar a ritmada e musculada sintonia entre os três instrumentos. Stoner Rock puro e duro da “velha guarda”, capaz de nos cuspir tão para lá dos nossos corpos. Uma viagem de prego a fundo numa das mais empolgantes performances que vira até então. Um baixo que transpirava robustez e flexibilidade num serpentear mirabolante que nos dara boleia a todos. Uma bateria vertiginosa de propensão feroz e atacante, e uma guitarra vigorosa e dominadora. O riff endoidecia uma plateia completamente atordoada. Foi um dos concertos mais revigorantes que assistira (a par de Fu Manchu). Uma perfeita combustão de adrenalina que nos incendiou a alma.
No final do concerto foi tempo de
cambalear como pude até à tenda, e adormecer amortalhado num manto de êxtase
ébrio que ameaçava dissipar-se em mim durante muito e muito tempo. Na manhã de
domingo acordei ainda escravo de um deslumbramento contido tão natural de quem
acabara de enriquecer desmedidamente a alma. Foi uma edição tão inesquecível que
nem o esquecimento se esquecerá de a recordar.
P.S.: Não costumo pedir seja que
banda for aos organizadores, mas.. Ricardo e Telma, tentem trazer Elder em
2015!
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