Dificilmente
este novo ano poderia ter principiado de forma mais auspiciosa. O apaixonante tridente
espanhol Mohama Saz acaba de me surpreender e embevecer com o lançamento-relâmpago
do seu tão aguardado quinto trabalho de longa duração, denominado ‘Máquina
de Guerra’ e integralmente descortinado hoje mesmo através dos formatos
digital e LP (este último ultra-limitado a uma prensagem de apenas 300 cópias
disponÃveis) com o carimbo da editora YaiYai Records. Estes três califas
madrilenos de luxuriantes túnicas islâmicas chegam assim a uma mão cheia de
álbuns e insuflam o meu férreo desejo de os vivenciar pela primeirÃssima vez ao
vivo. Usando o mesmo novelo com que os seus antecessores foram tricotados, ‘Máquina
de Guerra’ presenteia o ouvinte com um vibrante, ofuscante e multicolorido bazar de
sonoridades exóticas onde facilmente reconhecemos e degustamos um ensolarado, matizado
e cerimonial Psychedelic Rock de temperos mediterrânicos, um caleidoscópico,
magnético e celestial Krautrock de descendência germânica, um enfeitiçante,
bailante e requintado Flamenco de sotaque andaluz, e ainda um quente, mexediço
e contagiante World Music de atraente fragância anatólia. Toda esta apaladada
amálgama musical de incontáveis ingredientes remexidos e coligados resulta numa
irresistÃvel iguaria de consagração deÃfica que nos seduz, banha de uma intensa
luzência trigueira, promove a deserção da consciência pelas eternas planuras da
religiosidade, e conduz a um perfeito estádio de transe espiritual. Em posição
de lótus e viajados acima de um tapete mágico, sobrevoamos toda uma azáfama mercantil e driblamos
os minaretes das mesquitas que riscam os rosados céus crepusculares da velha
Pérsia. Com influências subtraÃdas a referências como Erkin Koray, Orchestra
of Spheres, Sun Ra, Triana, Las Grecas, Neu!, Tinariwen,
Goat e Blaak Heat, os espanhóis Mohama Saz farolizam todos
os seus ouvintes numa sagrada peregrinação de corações submersos em fé inabalável e toda
uma devoção ao Sol poente. De pés descalços sobre as acetinadas, mornas e
bronzeadas areias do deserto, olhos selados e braços hasteados na vertiginosa
direcção dos lÃmpidos céus, agitamos os nossos corpos transpirados numa
compenetrada dança – locomovida a imperturbável hipnose – à estimulante boleia
dos eróticos serpenteios de uma louvável baglama eléctrica que floresce copiosas,
faustosas e excêntricas melodias de vistosa caligrafia árabe e doce aroma turco,
dos reverberantes murmúrios de um baixo pulsante, hipnótico e ondeante, dos
ritmos tribais de uma bateria cativante, primitiva e excitante, dos luminosos,
nÃveos e formosos vocais – aureolados por uma graça messiânica – que lideram
esta transformadora excursão pelos desfiladeiros da alma, e das misteriosas sirenes
que ressoam e ecoam dos quiméricos sintetizadores, desamarram-nos da gravidade
terrestre e catapultam-nos para um deslumbrante escapismo cósmico. A bonita ilustração
onde múltiplos pássaros negros esvoaçam numa caótica dança orbital ao redor de
um Sol ruborizado pertence ao pintor espanhol Oscar Rey. ‘Máquina de
Guerra’ é uma nirvânica liturgia que em nós perpetua toda uma sensação de
pleno bem-estar e uma eufórica dormência impossÃvel de perturbar. Um álbum amarelecido
por um misticismo arenoso que nos levita e gravita em torno do êxtase religioso.
Uma paradisÃaca bênção onde ninguém se recusará comungar. O génio fora da
lâmpada.
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