segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Review: ⚓ Astrodome - 'Seascapes' (2024) ⚓

★★★★

Depois de em 2015 terem apresentado o seu apaixonante álbum de estreia (review aqui) e em 2018 terem lançado o seu igualmente maravilhoso ‘II’ (review aqui), os portuenses Astrodome ancoraram em parte incerta, e só agora – sensivelmente cinco anos após a sua hibernação – ressurgem de vento em popa no nosso radar com o pelágico ‘Seascapes’, editado a três mãos pela portuguesa gig.Rocks!, pela londrina Copper Feast Records e pela francesa Totem Cat Records nos formatos LP, CD e digital. Banhado por um imersivo, reflexivo, deslumbrante e expansivo Psychedelic Rock de fragância oceânica e estética cinematográfica, e abençoado por um viajante, atmosférico, hipnótico e flutuante Space Rock sem destino traçado e com alto teor electrónico, este terceiro registo instrumental de Astrodome exibe o lado mais aventureiro, desprendido e experimental do quarteto português. De azimute apontado a influências como Pink Floyd, Tangerine Dream, Mammatus, Causa Sui, Papir, Mythic Sunship, 35007, Monkey3 e Interkosmos, a explorativa, envolvente, eloquente e lenitiva sonoridade de ‘Seascapes’ desenraíza o ouvinte da prisão terrestre, dilatando e dissipando a sua consciência pelas tranquilas águas do infindável oceano astral. Um vertiginoso, evolutivo e corajoso mergulho na eterna e abissal noite cósmica, trespassando fantasmagóricas e coloridas nebulosas, driblando o abraço gravitacional de titânicos e solitários astros, escoando pela alucinante garganta de impiedosos buracos negros que tudo aspiram no negro tapete sideral, e entrando no insondável universo alienígena de olhar maquilhado pela cintilante poeira estelar. À deriva e a levitar sem gravidade a que nos possamos agarrar, deixamo-nos flutuar prazerosa e livremente pelo desdobrável horizonte sideral que a visual musicalidade de Astrodome vai edificando e colorindo à nossa frente. Uma profunda hipnose de ofuscante psicadelismo que nos seduz, adormece, embevece e conduz ao nirvana. Boiando nesta perpétua ondulação, somos sorvidos e dominados por uma imperturbável sensação de pleno bem-estar, e naufragados nas coordenadas do espaço-tempo. Uma seráfica placidez superiormente musicada por duas guitarras etéreas que se manifestam em espaçosos, arejados, condimentados e esponjosos acordes, um murmurante baixo de linhas elásticas, fibrosas, magnéticas e ondeantes, uma bateria tribalista de ritmos estimulantes, enfeitiçantes, buliçosos e bailantes, e um quimérico sintetizador criador e disseminador de uma onírica bruma oxigenada por um exotismo astral. Sintam a vossa lucidez embaciar, o corpo relaxar, as pálpebras tombar e o vosso ego se desintegrar numa sagrada e sonhadora transcendência pela verticalidade do Cosmos interior sem a mais pequena vontade dele acordar. ‘Seascapes’ é um inventivo sedativo de elevada toxicidade que nos resgata da realidade e devolve aos astros. São 43 minutos de um intenso encantamento que nos inebria, anestesia e desagua nas paradisíacas praias da ataraxia. Dissolvam-se nas profundezas desta envolvente fantasia, embriaguem-se de açucarada melancolia, inalem o forte odor a maresia e saltem para cima deste trampolim que vos levará a resvalar as costuras fronteiriças do espaço bocejante. Não vai ser nada fácil, ou sequer desejado, despertar deste sonho. Um dos grandes álbuns do ano está aqui, no tão aguardado, impactante e triunfante regresso dos navegantes portugueses Astrodome ao alto-mar.

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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Review: 🔮 Magick Potion - 'Magick Potion' (2024) 🔮

★★★★

Oriundo dos arredores rurais de Baltimore (Maryland, EUA), o irreverente power-trio Magick Potion acaba de lançar o seu impactante álbum de estreia pela influente mão da prestigiosa companhia discográfica californiana RidingEasy Records através dos formatos LP, CD e digital. De instrumentos apontados a clássicas referências como Blue Cheer, Budgie, Cactus, Cream, Sir Lord Baltimore, Captain Beyond, Leaf Hound, The Amboy Dukes, Dust, Bang e The Groundhogs, este tridente americano executa um musculoso, imponente, ardente e oleoso Hard Rock de forte fragância revivalista, sarapintado por um electrizante Heavy Psych de toxicidade a perder de vista, bailado por um serpenteante Heavy Blues de trajes rústicos e pesadamente sombreado por um intrigante Proto-Doom de espírito ocultista. A sua vistosa, umbrosa, esbelta e gloriosa sonoridade de ornamentada moldura vintage representa uma inspirada homenagem à dourada década de 1970, balançando entre possantes cavalgadas de trevosos e carregados ecos Black Sabbath’icos açoitadas a contagiante energia, e enfeitiçantes baladas anoitecidas e entristecidas pela ébria melancolia. Embrumado e perfumado por um misticismo pagão, pela doce nostalgia e uma carismática rusticidade – desprovida de qualquer maquilhagem – que orientara toda a sua produção, este homónimo álbum de estreia de Magick Potion revela uma obra integralmente esculpida à minha imagem. De cabeça rodopiante, pálpebras rebaixadas e dentes cravados nos lábios, embalamos – de espírito integralmente deslumbrado – pelas idosas, sinuosas, poeirentas e misteriosas estradas de ‘Magick Potion’ à estimulante boleia de uma guitarra portentosa – flamejada por uma distorção crocante, arenosa, rugosa e urticante – que se robustece em dominantes, lascivos, altivos e magnetizantes riffs de bolor setentista, e enlouquece na alucinante condução de solos delirantes, ácidos e esvoaçantes, um baixo obeso de linhas intimidantes, monolíticas, fibróticas e pujantes, uma bateria expressiva de ritmicidade dinâmica, acrobática, enfática e explosiva, e vocais esmorecidos, diabrinos, espectrais e avinagrados que ressoam e ecoam do interior desta borbulhante, multicolorida, aromática e fervilhante poção mágica. São 39 minutos tomados pela aspereza, pretura, destreza e formosura. Um sensacional ritual iluminado por incontáveis velas em chamas de onde escorrem abundantes lágrimas de cera e liderado por bolorentos, vibrantes e fumarentos amplificadores de primitivas e incisivas ressonâncias que nos oprimem, engolem e revolvem. Comunguem Magick Potion, inalem o seu brumoso exotismo e naufraguem na revoltosa ondulação da febril alucinação. Estamos mesmo na distinta presença de um dos mais magnânimos álbuns do ano. Obscureçam-se e embruxem-se nele.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Review: 🌌 Acid Rooster - 'Hall of Mirrors' (2024) 🌌

★★★★

Da cidade de Leipzing chega-nos o novíssimo álbum de uma das minhas bandas germânicas predilectas: Acid Rooster. Depois do homónimo nascido em 2019 (análise aqui) e dos seus sucessores ‘Ad Astra’ avistado em 2022 (análise aqui) e ‘Flowers & Dead Souls’ florescido em 2023 (análise aqui), este criativo, inspirador e explorativo power-trio apresenta o seu quarto trabalho de longa duração intitulado ‘Hall of Mirrors’ e lançado a três mãos pelos selos discográficos Tonzonen Records (responsável pela distribuição em território europeu), Cardinal Fuzz (responsável pela distribuição no Reino Unido) e Little Cloud Records (responsável pela distribuição nos EUA) sob os formatos LP, CD, cassete e digital. Antes de traduzir para a forma textual tudo o que ‘Hall of Mirrors’ plantara e desabrochara no meu universo emocional, é justo começar por referir, sem qualquer reserva, de que se trata do meu álbum favorito da banda alemã. Incensado por um deslumbrante, imersivo e inebriante Space Rock, um enfeitiçante, caleidoscópico e viajante Psychedelic Rock e um meditativo, hipnótico e lenitivo Krautrock, este novo registo de Acid Rooster dilui o ouvinte numa intoxicante, milagrosa e narcotizante hipnose sem saída de emergência. Uma extasiante massagem cerebral de amplificação consciencial e consagração espiritual que nos embarca numa relaxada, sagrada e sensacional peregrinação em direcção ao radiante Sol de mística fragância oriental. Sintam-se flutuar tranquila e livremente pelas seráficas, quietas e ataráxicas águas de ‘Hall of Mirrors’ e bronzear à exposição de uma sideral, diáfana e virginal luzência capaz de banhar, expurgar e sanar as zonas mais obscuras da nossa alma. Deixem-se mumificar, prender e encantar pela psicotrópica poeira estelar de Acid Rooster à envolvente boleia sonora de uma guitarra aventurosa que se meneia em vistosos, anestésicos, alucinógenos e libidinosos riffs de onde florescem solos coloridos, trepidantes, ácidos e estonteantes, uma bateria de galope Krauty movida a um ritmo saltitante, esponjoso e estimulante, um baixo deliciosamente groovy de linhas ondeantes, elásticas, magnéticas e murmurantes, e um mágico, espiritual e celestial sintetizador que com o seu exotismo electrónico exorciza todo o Cosmos. ‘Hall of Mirrors’ é uma fantástica odisseia no espaço alienígena que tanto nos transporta, vendados e sem coordenadas, por inexplorados territórios mentais de nebulosidade sem visibilidade como nos viaja, lúcidos e fascinados, por azulados céus governados por uma messiânica e ofuscante claridade. São 40 minutos que nos engolem. De olhar selado, cabeça baloiçante, corpo serpenteante e espírito arrebatado levitamos pela vertiginosa verticalidade astral sem nunca olhar para trás. Uma pesada e profunda narcose que nos seduz, amolece, adormece e conduz ao infinito e mais além. Entrem no universo onírico de Acid Rooster e testemunhem toda a lisérgica e profética beatitude de um dos álbuns mais nirvânicos do ano.

💙 Hope Sandoval & David Roback // Mazzy Star


📸 Andrew Catlin

🌽 Berry Oakley // The Allman Brothers Band (1970)

🌹 Calexico - "Cruel" (2006)