quinta-feira, 20 de junho de 2013

Blaak Heat Shujaa & Spindrift @ Taberna Belfast

No passado domingo (dia 16 de Junho) fiz a minha terceira incursão (em dois anos) à encantada Taberna Belfast em Santa María del Páramo, León (Espanha). Já a Nádia era estreante nestas andanças. O sol sobrevoava as nossas costas com enorme esplendor, o céu ostentava boa saúde, e no horizonte habitava uma sabida noite notável ao som de Blaak Heat Shujaa e Spindrift. De olhar refastelado no negro alcatrão que nos conduzia ao velho oeste, e de corações a transbordar de ansiedade e expectativa, lá chegámos ao primeiro ponto de paragem obrigatória da nossa rota: a familiar Puebla de Sanabria. Tempo para mais uma cerveja pedida em “portunhol” e uma caminhada revitalizadora junto às margens do rio Tera. O tempo resguardou-se à sombra do esquecimento e foi já com alguma urgência que regressamos à estrada. De mãos cerradas no volante e a Nádia de atenção atracada nos mapas, lá devaneamos pelas estradas incertas que nos levariam (ou não) à desejada La Bañeza, cidade vizinha de Santa María del Páramo. Confissão: sim, nem à terceira vez me poderei vangloriar de ter chegado ao destino sem ter feito uns quantos quilómetros estranhos à rota previamente delineada. Depois de umas quantas inversões de marcha, podíamos, agora, suspirar de alívio porque estávamos novamente no caminho certo. 


De salientar a minha paixão pela estrada que liga Puebla de Sanabria a La Bañeza. Rectas que se desvanecem no efeito refractor do sol, paralelismos extasiantes, ora compostos de imponentes e fartos carvalhos, ora de infinitas planícies onde as cores se abraçam entre si e o sol do fim da tarde se esperneia ao comprido. É o visceral entorpecimento dos sentidos ao longo de quase 70 quilómetros. De vidros abertos e cabelos entrelaçados com o vento lá chegamos a La Bañeza, a cidade da divagação. E, como não poderia deixar de ser, mais tempo e paciência perdidos em busca da tão almejada placa que nos afunilaria até Santa María del Páramo. Essa falta de paciência foi levada de tal forma à exaustão, que foi mesmo necessário o uso de um GPS para nos libertar das consistentes amarras de La Bañeza. Já o sol se debruçava acima das montanhas quando chegámos a Santa Maria del Páramo. 


Foi tempo de calar os nossos estômagos ruidosos com o que de melhor habitava a mala do carro e caminhar até à Taberna Belfast onde pude dar um renovado “hola!” à Eva. Lá ancoramos os nossos cotovelos no balcão e brindamos aquele momento com cerveja Mahou. Estava um contagiante ambiente festivo tanto no interior quanto na esplanada do bar. A noite suspirava brisas quentes e incitava a beber mais cerveja fria. Mal havíamos pedido a segunda cerveja da noite já Blaak Heat Shujaa subiam ao placo e davam inicio aquele que seria um dos melhores concertos da minha vida. Mal podia esperar por ouvir o tremendo “Edge of an Era” tocado ao vivo. Blaak Heat Shujaa superaram as minhas expectativas mais exigentes e arrancaram com um dos concertos mais pujantes que vira até então. São verdadeiros búfalos que dominam os riffs mais selvagens do Rock Psicadélico. A sua sonoridade exige papilas gustativas apuradas e uma capacidade de percepção bastante requintada para a frenética perseguição a estes sons que viajam a velocidades alucinantes e fazem cócegas à compreensão humana. Não precisei de esperar muito até que fosse tocado aquele que é - para mim – o tema do ano “the obscurantist fiend (the beast pt. I)” e me ter proporcionado um dos momentos introspectivos mais prazerosos de que tenho memória. O brilhante “Edge of an era” foi tocado praticamente na sua totalidade e alguns temas do seu disco ancestral também foram revisitados. Thomas Bellier e a sua guitarra são elementos de um só corpo apenas. Um verdadeiro eremita que nos dedilha narrativas embebidas em peiote e sujeita a vivê-las com exaltação. Michael Amster é um autêntico monstro (no sentido positivo da palavra) na bateria. Parece fazer o impossível e a uma velocidade frenética. Nunca a agressividade e a técnica casaram tão bem quanto o fazem nas baquetas de Michael Amster. Foi uma performance verdadeiramente estonteante do inicio ao fim do concerto. Ao volante do baixo estava o Antoine Morel-Vulliez, um dos baixistas que mais me entusiasmou pela sua enorme sensibilidade em dedilhar fragmentos sonoros dos mais hipnóticos e delirantes de sempre. E é esta cuidada exploração do instrumento de quatro cordas que nos deixa de pálpebras cerradas e a viver uma constante experiência espiritual. Trouxe de Espanha este colossal concerto do trio parisiense bem atrelado à memória (e a Nádia também). 


Seguiam-se os cowboys de guitarras no coldre. Depois de os ter visto abrir para Dead Meadow no Porto, este seria o meu segundo duelo com a banda norte-americana. E o meu segundo duelo perdido, diga-se. A música de Spindrift fala a língua do deserto e de quem o cruzou com maestria e bravura. Acredito que as suas melodias são capazes de fazer cair lágrimas nostálgicas a um John Wayne e a um Clint Eastwood. Fossem estes Spindrift naturais do tempo onde o cinema Western cavalgava abundantemente pela sétima área, e o próprio Enio Morricone teria o seu trabalho posto em causa. Estes cowboys agora de guitarras em punho transformaram a Taberna Belfast num autêntico Saloon. A harmonia estava estatelada no sorriso de quem os ouvia. Os pés batiam no soalho em comunhão com as batidas da bateria, o entusiasmo era crescente e toda a plateia foi brindada com as mais belas e apaziguantes narrativas contadas por quem se equilibra acima da albarda. Viajamos todos lado a lado com Spindrift, por entre imponentes Saguaros, tempestades de areia e sob um sol abrasador onde só a sombra da dança circular dos abutres contrastava no solo. Foi um concerto lindíssimo recheado de momentos divertidos proporcionados por estes senhores de texanas e chapéus de aba larga. Foi também um adeus custoso mas necessário. Demos um abraço à Eva, regressámos ao carro e fizemo-nos novamente à estrada soltando um véu de saudade que aumentava de tamanho conforme nos afastávamos da Taberna Belfast.


Certamente que falaremos dessa noite aos nossos filhos. 

Pelo menos, a lembrança fala-me todos os dias dela.  

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