sexta-feira, 23 de agosto de 2019

🍻 Crypt Trip

Artwork: Justin Jackley

Sunn 💣))

Review: ⚡ Dead Feathers - 'All is Lost' (2019) ⚡

A espera terminou e a ânsia esvaziou. Depois de algures no já distante ano de 2015 ter conhecido, experienciado e consequentemente salivado o fabuloso EP de estreia do quinteto norte-americano Dead Feathers (fixado em Chicago, Illinois), hoje foi finalmente lançado o seu primeiro trabalho de longa duração e eu não poderia ter avançado para a sua escuta integral com maior dose de entusiasmo e motivação. Promovido pelo imparável selo discográfico californiano Ripple Music sob a forma física de CD e vinil, ‘All is Lost’ presenteia o ouvinte com um refrescante, mélico, edénico e afagante Psych Rock que tanto se aquieta, suaviza e eteriza num admirável, idílico e apaixonante Folk de fascinante narrativa campesina, como se metamorfoseia, engrandece e obscurece num pantanoso, vagaroso, narcotizante e sonolento (no sentido elogioso da palavra) Heavy Psych à boa moda de Dead Meadow. A sua sonoridade de beleza sublimada, apurada e consumada – que se espreguiça do carismático território revivalista ao mais contemporâneo – remete o ouvinte para um deslumbrante universo visual onde tímidos raios solares pincelam de luz, desvendando cuidadosa e paulatinamente todos os contornos da bucólica e nebulosa madrugada que climatiza uma orvalhada paisagem outonal, tingida e envelhecida a sépia. Embriagados de uma maviosa e caramelizada melancolia que nos massaja todos os membros e sentidos, somos forçados a ceder perante a dominante gravidade exercida por ‘All is Lost’ que nos envolve, enfeitiça e sepulta nas vertiginosas profundezas de uma quimérica ambiência onírica. De pálpebras tombadas, cabeça baloiçante e corpo dormente, somos hipnotizados, mumificados e embalados numa prazerosa letargia tricotada por duas encantadoras guitarras de afectuosos, anestésicos, delicados e harmoniosos acordes dedilhados e condimentados a pura e estarrecedora formosura, que indiscreta e progressivamente se avolumam e sombreiam em poderosos riffs de onde florescem e se envaidecem uivantes, ácidos e intoxicantes solos, uma cativante bateria que evolui de uma leve e intimista percussão de natureza tribalista e ritualista para desenfreadas e desembaraçadas galopadas incendiadas a empolgamento, um murmurante baixo de reverberação conduzida a linhas pulsantes, flexíveis, magnéticas e dançantes, e capitaneada por uma tonificante e aliciante voz feminina de tez charmosa, melódica, aveludada e fibrosa que se hasteia, glorifica e pavoneia com destacada lubricidade. De louvar ainda o fantástico artwork – superiormente ilustrado pelo facilmente identificável e de talento inesgotável Adam Burke – que confere toda uma emblemática misticidade visual a este irresistível ‘All is Lost’. Tanto dele esperava e tudo ele me trouxe. Este álbum de estreia de Dead Feathers representa o alcançar de um imaculado estádio de espantosa maturação que desculpa todos estes anos remetidos ao silencioso jejum discográfico. ‘All is Lost’ é um álbum deveras arrebatador que nos corteja do primeiro ao derradeiro tema. São 48 minutos completamente absorvidos por uma desarmante e purificante melosidade que nos enleva sem qualquer timidez. Um registo atestado de uma refinada inspiração que me impactara e conquistara de forma muito singular. Estamos mesmo na presença de um dos mais aprumados discos nascidos em 2019. Banhem-se neste balsâmico néctar sonoro e vivenciem com toda a entrega e devoção um dos álbuns (por mim) mais aguardados dos últimos anos.

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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

🦅 Brant Bjork

🔥 JOY - "Under the Spell" / "Miles Away" (2014, Tee Pee Records)

Review

Review: ⚡ The Black Wizards - 'Reflections' (2019) ⚡

Os The Black Wizards habituaram todos os seus crescentes apreciadores a testemunharem por cada novo registo lançado um passo em frente no caminho da maturação enquanto banda, mas este terceiro e novo álbum não representa um passo evolutivo – quando comparado com o seu antecessor – mas um verdadeiro salto olímpico na escala qualitativa que o firmara não só como o trabalho mais completo da banda minhota até à data, mas como um dos melhores álbuns que ouvi neste já farto ano de 2019. Depois de ‘Lake of Fire’ de 2015 (review aqui), ‘What the Fuzz!’ de 2017 (review aqui), este talentoso quarteto prepara-se agora para apresentar ‘Reflections’ – mantendo o seu já habitual intervalo temporal de dois anos a balizar cada álbum – que tem o seu nascimento oficial agendado para a próxima sexta-feira (23 de Agosto) pela mão da já influente editora portuguesa Raging Planet (em formato de CD) e pelo fértil selo germânico Kozmik Artifactz (em formato de vinil, repartido em variadas edições ultra-limitadas a poucas dezenas de cópias físicas existentes). Ainda assim, foi-me dada a irrecusável oportunidade de experienciar na íntegra e com antecedência este seu novo álbum, e o que se segue é o mais fiel reflexo vertido do universo emocional para o domínio textual de tudo o que o mesmo em mim provocara e despertara.

De raízes soterradas num atraente, perfumado, poeirento e excitante Heavy Blues – à boa moda de All Them Witches mas com um vincado cunho pessoal – que conjuga na perfeição a sua carismática essência rudimentar trazida dos velhos campos de algodão lavrados na região delta do Mississippi, com um electrizante paladar a modernidade, a complexa e apaixonante sonoridade de ‘Reflections’ passeia-se por entre incandescentes, dinâmicas, vulcânicas e comoventes galopadas brilhantemente esporeadas e inflamadas a efeito fuzz, e estarrecedoras baladas sublimemente dedilhadas a um suavizante, ataráxico e inebriante Folk de inspiração Western que prontamente nos remete para a xamânica solitude num anoitecer desértico onde só os uivantes coiotes preenchem o purificante silêncio. De olhar semicerrado, sorriso paralisado, cabeça e tronco bamboleantes e alma completamente tomada por uma imperturbável sensação de pura fascinação, somos incessantemente instigados por duas guitarras inspiradas que se entrelaçam em prazerosos, místicos, arábicos e ostentosos riffs, e desenlaçam em borbulhantes, ácidos e delirantes solos, um sombreado baixo balanceado a linhas sussurrantes, fluídas e serpenteantes, uma inventiva bateria de toque polido, esmerado, cintilante e cuidado nos pratos, e talentosas, tribalistas e desembaraçadas acrobacias a trote da tarola e dos timbalões, e uma adorável voz de tonalidade melodiosa, cristalina, ecoante e voluptuosa que – afagada e aureolada por um vocal coro celestial – se balanceia entre plácidos, aveludados e reconfortantes momentos regados a desarmante requinte e outros atiçados a uma megafónica, anárquica e amotinada irreverência. É-me ainda essencial arremessar elogiosos sentimentos para com o colorido, berrante, vibrante e exótico artwork de créditos facilmente reconhecidos e apontados à peculiar ilustradora Jbwizard. Num movimento pendular que me desloca de uma doce e sagrada paralisia até uma saturada e ardente euforia, chego ao final deste irretocável ‘Reflections’ de lucidez entorpecida, esgotada e distorcida. Um alucinante vórtice espelhado a texturas caleidoscópicas pelo qual escorregamos sem vontade dele regressar. Com este álbum de beleza consumada e meteórica projecção, os The Black Wizards alcançam uma invejável – mas inteiramente meritória – posição de grande destaque no que ao panorama português da música Rock diz respeito. Um registo que resvala nas tão ambicionadas fronteiras da perfeição e que em mim hospedara todo um intenso e ofuscante deslumbramento impossível de contrariar.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Radio Moscow - "Brain Cycles" (2009, Alive Records)

🎖 Heavy 80th Birthday Ginger Baker!

⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 3 ⚡️

Depois de um primeiro dia chuvoso e ventoso, e um segundo pardacento, mas com vistosas melhorias, para o terceiro e derradeiro dia do SonicBlast estavam apontadas risonhas previsões climatéricas e a manhã tratara bem cedo de as converter em inabaláveis certezas. O Sol estava de regresso a Moledo, a brisa esmorecia e aquecia, e a abertura do palco da piscina estava também assegurada. Não haveria melhor forma de finalizar esta 9ª edição do festival. Calendarizado em território veraneio, o SonicBlast é um festival pensado para decorrer debaixo de Sol e abraçado pelo calor, e este seu último dia garantira finalmente todas essas condições.

Mexicanos em alta rotação e uma piscina em borbulhante ebulição.
Depois de um imprevisto que me fizera deslocar até à cidade de Viana do Castelo – tendo por lá almoçado – foi já com o power-trio berlinense Maggot Heart em palco que acorrera ao recinto da piscina. Tempo para combater o crescente calor – que se expressava com vivacidade – de cervejas empunhadas e cabeças esvoaçadas à boleia do irreverente, intenso e ardente Post-Punk destes germânicos. Mas a piscina não demorava a conhecer o seu ponto alto do dia com a subida a palco do duo mexicano Cardiel. Por mim elogiados em 2017, aquando do lançamento do seu exótico EP ‘Aloha From Fuzz’ (review aqui), esta era(-me) uma das bandas mais imperdíveis do festival. Munidos de uma sonoridade camaleónica e de paladar tropical, que se distende de um vertiginoso Punk Rock com indiscretas aproximações a um revoltoso Hardcore, passando pelos negros, densos e lamacentos domínios do Sludge de roupagem Doom’esca, e desaguando num acalorado, dançante, festivo e inesperado Reggae de sensual condução Funky. E se todo este sortido de géneros pode na teoria parecer indigesto, a verdade é que a ousada receita musical sugerida pelos Cardiel resultara numa piscina lotada, conquistada e em plena ebulição. Na plateia vivia-se um clima de saturada euforia que contagiara não só os corpos secos que se tumultuavam em prazerosas convulsões, como os tantos molhados que no interior da piscina faziam da mesma um autêntico caldeirão em borbulhante exaltação. Uma performance verdadeiramente irrepreensível que tomara de assalto todo um auditório pasmado e enfeitiçado pela epidémica energia transpirada do palco. De coração entusiasmado e corpo salpicado pelo muito participado mosh pit aquático, dirigia-me agora na direcção do campismo para renovadas tertúlias condimentadas a cerveja.

A frescura californiana, o (in)tenso negrume e a consagração da Alma.
Finalizando o tridente de referências repescadas a San Diego, o fascinante colectivo Sacri Monti – em parceria com os seus conterrâneos Earthless e Petyr – trazia a Moledo todo o seu majestoso, embriagante e esplendoroso Prog Rock tingido a revivalismo e ainda com uma forte influência de um primoroso, ensolarado e copioso Heavy Psych superiormente executado à boa moda californiana. Depois de em 2016 terem apresentado ao vivo o seu tão aguardado álbum de estreia (review aqui), este quinteto norte-americano regressava agora à Praia de Moledo com o recém-lançado segundo trabalho de longa duração (review aqui) e tudo em mim me empurrava na direcção do recinto principal para repetir a catártica experiência que representa vivenciar Sacri Monti em palco. De olhares cravados na já vasta plateia que se ia posicionando e consolidando à sua frente, sorrisos tímidos no rosto e instrumentos empunhados, os Sacri Monti iniciavam a sua maravilhosa performance para um público entusiasta. Com todos os temas da sua ainda curta discografia bem reconhecidos e presentes em mim, ia acompanhando e sussurrando no meu universo imaginário não só os Riffs elegantes, tóxicos e delirantes como os incessantes, torrenciais, siderais e alucinantes solos – muitas vezes apanhados em contramão – desprendidos por duas guitarras endeusadas que se entrelaçavam em empolgados diálogos com um adorável órgão de envolventes e eloquentes bailados de atmosfera sonhadora, um vigoroso e ostentoso baixo de linhas flutuantes, fibróticas e magnetizantes, uma entusiástica bateria de desembaraçadas e talentosas acrobacias John Bonham’eanas, e ainda uma carismática voz que balanceia entre a textura delicada e melodiosa e a encrespada e revoltosa. Ninguém mostrava a mais pequena indiferença perante todas as sublimes composições de beleza arquitectónica que os Sacri Monti conduziam a requintada e inspirada excentricidade. No final e depois de um demorado aplauso aos californianos, encaminhei-me na direcção do merchandising para trazer debaixo do braço aquele que seria a última cópia física em CD do seu último ‘Waiting Room for the Magic Hour’ ali presente para venda. 

O negro manto da noite começava a arrastar-se e a afirmar-se pelo dia adentro, e a luminosidade em palco de tonalidade púrpura não enganava nenhum dos ali presentes: os tão aguardados Windhand estavam aí. Naturais da histórica cidade de Richmond (capital do estado norte-americano da Virgínia) os Windhand são hoje uma das mais consagradas referências da música Doom contemporânea, e depois de terem cancelado a sua presença numa das edições passadas do SonicBlast Moledo, recolhiam hoje a si uma das maiores fatias da expectativa trazida pelos festivaleiros que atestavam a presente edição. Pressentia-se que deles viria uma das mais inolvidáveis performances do festival e assim se materializou. Debaixo de um crescente coro de aplausos ruidosos e gritos motivantes, os Windhand iniciavam o seu emblemático ritual de adoração pagã, levando com eles toda uma extensa plateia de alma sedada e olhar petrificado pelos eclipsados, enigmáticos, sorumbáticos e misantrópicos territórios do Psych Doom. Uma monolítica avalanche de denso negrume varria o público, soterrando-o numa mélica, nebulosa, poderosa e psicotrópica melancolia impossível de contrariar. De alma enlutada, sentidos desmaiados e corpo lentamente balanceado, respondíamos de forma instintiva à pesada, vigorosa, dominante e delongada reverberação ocultista destilada e exorcizada da cerimonial sonoridade de Windhand. E foi nas asas de uma profana guitarra de Riffs encorpados, tensos, densos e amaldiçoados, e solos delirantes, gélidos, ácidos e penetrantes, um baixo massivo de linhas monstruosas, torneadas, violentas e rumorosas, uma bateria galopante de ritmicidade trovejante, explosiva, altiva e rutilante, e ainda uma voz espectral, translúcida, cristalina e melódica – a contrastar com o veemente negrume instrumental – que de olhar cerrado e semblante tombado sobre o peito nos deixámos envolver e embevecer neste brumoso, sombrio e tumultuoso oceano da mais pura lisergia e misantropia. Não foi fácil despertar de toda esta luciférica liturgia e contrariar o espesso torpor que nos corria pelas veias. Windhand foram verdadeiramente titânicos em palco e a ressaca dos mesmos ameaça em mim subsistir até que a futura memória se esqueça de os recordar. Era tempo de silenciar os rugidos estomacais na zona de restauração, relaxar os cansados músculos das pernas e regressar a tempo de comungar todo o misticismo de OM

Esta era a terceira vez que experienciaria o sagrado rito deste trio superiormente liderado pelo profético druida Al Cisneros, mas o meu coração comportava-se como se da primeira tratasse. Assim que reconhecidos em palco, o imenso auditório explodira num colossal bramido a uma só voz entusiasmada e arremessada na direcção destes três monges fielmente devotos ao lado mais religioso do Mantra Doom. Imediatamente convertidos em seus fiéis discípulos, assim que os primeiros acordes foram dedilhados e exorcizados do carismático baixo Rickenbacker, e por nós todos pressentidos e reconhecidos, embalámos numa demorada e consagrada peregrinação pelos incomensuráveis desertos da nossa espiritualidade. De olhar eclipsado e alma canonizada, as nossas cabeças contorciam-se até onde a extensão de cada nota alcançava. Estávamos todos integralmente absorvidos pela santificada missa rezada pelos OM e o palco principal representava agora um verdadeiro altar ao qual todas as mais elogiosas venerações eram arremessadas. Numa harmoniosa digressão pelos derradeiros álbuns que adornam esta prestigiada banda norte-americana, os OM emanciparam em Moledo todas as suas divinas ressonâncias com base num rumoroso, expressivo e portentoso baixo de linhas ungidas a coesão, fluidez e robustez, uma bateria circense de extravagantes, habilidosas e incessantes acrobacias, um intrigante sintetizador criador de uma atmosfera climatizada a devoção, e uma voz messiânica que lidera com apaixonante e hipnotizante lirismo toda esta sacra romaria destinada ao tão almejado e imaculado transe religioso. Vivia-se um ofuscante e universal estádio de profundo bem-estar que nos desencorajava a tentação de abrir as pálpebras e despertar de todo aquele sonho acordado. Foi demasiado fácil deixarmo-nos glorificar e canalizar pela terapêutica infusão de OM e desaguar num perfeito oásis mental que nos banhara e extasiara do primeiro ao último tema. OM foi toda uma endeusada imersão à qual ninguém se recusou comungar. No final – quando todos os instrumentos se calaram e perpetuaram no silêncio – estávamos todos órfãos daquela mística reverberação que nos desobstruíra todos os caminhos de encontro ao Paraíso. Não foi fácil aceitar que a eucaristia havia terminado, mas reinava em cada um de nós a completa e irrefutável sensação de que havíamos testemunhado algo de verdadeiramente purificador. Corações ao alto, o nosso coração esteve em OM.

De corpo combalido, mas alma revigorada, avancei em direcção ao campismo para me entregar ao tão reivindicado repouso. Estavam findados os três dias de SonicBlast e com eles todo um ininterrupto estado de empolgamento que me irrigara até então. Seguia-se uma demorada, mas prazerosa digestão de tudo o que havia interiorizado durante aqueles dias passados na meca ibérica do psicadelismo, e esta exteriorização textual (trancada com este terceiro e derradeiro capítulo) representa o que de mais fiel conseguira traduzir para a escrita dos meus sentimentos ainda toldados e embriagados pela comoção. Em 2020 sopraremos todos juntos as dez velas referentes a uma década de SonicBlast Moledo, e é lá que o nosso pensamento já ancorara e firmara residência.

👹 Electric Wizard // Psycho Las Vegas 2019

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

🌈 Frank Zappa - "Dupree's Paradise" (Live, 1973)

🕊 Woodstock, 1969

🤩 Dead Meadow

🦎 Yawning Man // Australian & New Zealand Tour 2020

⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 2 ⚡️

Depois de uma noite de sono intranquilo – diversas vezes importunado pelas profusas tertúlias incessantemente conduzidas pelos mais variados idiomas – as minhas pálpebras recolhiam aos primeiros raios solares da manhã. Num movimento brusco e decidido – contrariando o ócio de quem ainda se esperneia na cama – desafoguei a cabeça sonolenta do interior da tenda e de narinas bem dilatadas inalei os frescos e vivificantes ares bafejados pelo oceano. O segundo dia de SonicBlast trazia a tão ansiada esperança de que pudesse decorrer num cenário climatérico contrastando (para melhor, é claro) com aquele que marcara uma vincada presença no dia anterior. Os incisivos ruídos dos fechos zíper das tendas iam golpeando a plácida atmosfera matinal que governava no campismo, e as geleiras eram arrastadas para o exterior. Avizinhavam-se os já habituais planos de revitalização na preparação física e mental para o segundo dia de festival: um demorado passeio pelo paredão à beira-mar e um relaxado almoço pelas principais artérias de Moledo.

Da Califórnia à velha Pérsia em Skate
E foi já ao crescente som do colectivo português O Bom, o Mau e o Azevedo que iniciámos a caminhada de aproximação ao recinto do festival. Munida de um envolvente, despreocupado, aromatizado e eloquente Surf Rock de adorável e afável ambiência Western fora do coldre, a fresca, campesina e agradável sonoridade deste peculiar quarteto de origem lusitana tem o dom de no nosso imaginário erigir e dirigir toda uma imersiva narrativa cinematográfica, que nos coloca a trote pausado de um cavalo cansado pelo arenoso solo de um infindável deserto bronzeado pelo intenso e ofuscante Sol poente que se debruça e esbate no inalcançável horizonte. Uma musicalidade deveras inspiradora, arrebatadora e visual – a fazer recordar os californianos Spindrift – à qual nem o Quentin Tarantino ficaria indiferente. Lamentei profundamente ter chegado ao recinto já quando estes quatro cowboys abandonavam o saloon – deixando no seu interior um forte odor a pólvora, whiskey vertido e incontáveis corpos caídos de armas empunhadas – e se perdiam no chamejante horizonte desértico. Seguia-se o volumoso, enérgico e tumultuoso Skate Punk dos bracarenses Mr. Mojo que motivava nova reaproximação da plateia até à frente do palco principal. E foi à instigante boleia de duas guitarras erosivas, um baixo possante, uma bateria galopante e uma voz gutural que os primeiros headbanging’s do dia ganhavam um aparatoso protagonismo. Uma empolgante performance exemplarmente orientada a uma só velocidade que atestara de adrenalina todos aqueles aos quais a poderosa ressonância de Mr. Mojo alcançava. Um aplauso motivador a esta jovem banda portuguesa que se adjectivara como o aperitivo perfeito para o que aí vinha: Petyr. É justo começar por admitir que este quarteto californiano – sediado na carismática cidade de San Diego e superiormente liderado pelo Riley Hawk (filho do lendário pro-skater Tony Hawk) – recolhia para ele mesmo o estatuto de banda que eu mais ansiava experienciar não só naquele segundo dia, mas no conjunto dos três dias de SonicBlast. De influências apontadas aos míticos Black Sabbath e aos norte-americanos Witch, os jovens Petyr escudam-se num euforizante, tóxico, nebuloso e alucinante Heavy Psych com indiscretas aproximações a um titânico, obscuro, luciférico e messiânico Proto-Doom de tração setentista. Depois de em 2017 ter reverenciado o seu homónimo álbum de estreia (review aqui), premiando-o mesmo com o título de melhor registo lançado nesse mesmo ano (listagem aqui), e de no passado ano de 2018 ter replicado toda esta minha fascinação ao seu segundo trabalho de longa duração ‘Smolyk’ (review aqui), era com o coração taquicardíaco e membros convulsionados pela ansiedade que me firmava em frente ao palco de olhar incendiado em entusiasmo. E o que se seguiu foi uma selvática cavalgada esporeada por duas guitarras que se consolidavam na ascensão de intrigantes, portentosos, rumorosos e inflamantes Riffs arábicos e dialogavam em trepidantes, desvairados, excitados e atordoantes solos, um pulsante e possante baixo de linhas sombreadas e carregadas a um hipnótico misticismo, uma bateria explosiva, acrobática e altiva de ritmicidade imprópria para cardíacos, e uma voz ácida, ecoante, penetrante e diabrina que emergia das abissais profundezas desta psicotrópica absorção. Petyr ao vivo foi um implosivo petardo que brotara em cada um de nós. Uma constante e sónica vertigem à qual tudo em mim obedecia. De destacar ainda a inspirada reinterpretação de “Satori III” – originária dos nipónicos Flower Travellin' Band (‘Satori’, 1971) que – aos meus ouvidos – supera a original. Ao irrepreensível som de Petyr – num admirável equilíbrio entre a pujança, a agilidade e o virtuosismo – foi-me demasiado fácil imaginar Black Sabbath sobrevoarem os crepusculares céus da velha Pérsia e por ela se deixarem influenciar. No final do concerto encontrava-me de corpo cambaleante, visão embaciada, alma integralmente pasmada e expectativa largamente saciada. Depois de todo aquele violento e exuberante exorcismo sensorial que me fizera rasgar as vestes da lucidez, era tempo de regressar ao campismo e procurar no conforto da tenda – bem como no fundo da geleira – toda a estabilidade que Petyr me subtraíra e tardava em devolver.

Esquizofrenia, doce Paralisia e a pesada Volumetria
E como nem só de música é feito o SonicBlast, a minha consciência despiu o seu traje arbitrário e permitiu – sem sequentes juízos lesivos – que preenchesse as próximas horas com entretidas e fraternas conversas entre novos e velhos amigos. Caras conhecidas de almas aparentadas cruzavam-se comigo e a circunstância imposta pelo acaso obrigava à enriquecedora troca de palavras e afectos. E não fosse a minha imutável vontade de experienciar ao vivo pela segunda vez os finlandeses Kaleidobolt, ainda agora lá estaria completamente sorvido nas estimulantes e movimentadas conversações. O meu passo apressado locomovia-me na direcção do recinto principal à mesma velocidade que os instrumentos deste dinâmico power-trio eram executados. Depois de ter desconstruído e devidamente reverenciado os seus três álbuns (‘Kaleidobolt’, ‘The Zenith Cracks’ e o seu recentíssimo ‘Bitter’) e de no outono de 2017 os ter ouvido ao vivo pela primeira vez na abertura para o concerto do tridente californiano Radio Moscow (review aqui) estava novamente entusiasmado por testemunhar este mirabolante embate entre um poderoso, furioso, enérgico e vigoroso Hard Rock de influência clássica e um empolgante, oleado, rebuscado e magnetizante Heavy Prog de essência setentista. E assim aconteceu. Iguais a si próprios, os Kaleidobolt avançaram para uma performance verdadeiramente irrepreensível onde a maestria foi executada a uma ferocidade estonteante e a uma agilidade vertiginosa. A sua sonoridade intensamente extravagante – saturada de inesperadas alternâncias rítmicas – é balanceada entre pacíficos momentos condimentados a uma luxuriosa orientação jazzística que nos convidam a desmaiar as pálpebras e a levitar a espiritualidade, e outros momentos atestados de pura e desenfreada adrenalina que nos agridem, revolvem e centrifugam a alma. Contando ainda com a inlusão da prontamente reconhecida e apaladada cover de “21st Century Schizoid Man” (pertencente aos clássicos King Crimson, 1969) os Kaleidobolt despediram-se de Moledo de instrumentos ao alto e debaixo de uma calorosa, ruidosa e merecida ovação. Repetentes no SonicBlast, os polacos Belzebong subiam a um palco que bem conhecem com o seu fumarento, pestilento, psicotrópico e luciférico Doom Metal embrumado e enlameado por uma carregada sonoridade de tonalidade pantanosa, nebulosa, morfínica e tenebrosa que provoca no ouvinte efeitos em tudo semelhantes aos do Tetraidrocanabinol (mais comumente catalogado de THC). De semblantes pálidos, olhares distanciados e troncos balanceados, a plateia respondia como podia perante toda aquela tensa e monolítica reverberação transpirada do palco. Depois da impressionante e inesgotável galopada promovida pelos enérgicos Kaleidobolt, os Belzebong anestesiaram-nos e arrastaram-nos consigo para o lado eclipsado do empolgamento. Submersos numa intensa e permanente narcose que nos climatizara e inebriara do primeiro ao derradeiro tema, não foi nada fácil aceitar que o concerto havia já terminado, seguindo-se uma demorada reactivação da lucidez sensorial. Tempo para uma descontraída incursão até à zona de restauração e de regresso ao recinto agendado para os históricos Orange Goblin. Capitaneada pelo impetuoso colosso Ben Ward, esta incontornável banda londrina é desde há muito uma das mais consagradas referências dentro do universo Stoner europeu, e o concerto que se seguiu fez – uma vez mais – jus a esse título que merecidamente ostenta. Foi com base no seu potente, expressivo e vibrante Stoner Metal de vigorosa e estrondosa dimensão que o SonicBlast se transformara numa autêntica arena onde populosos, ciclónicos e tumultuosos Mosh Pit’s borbulhavam dentro daquele vulcânico caldeirão humano, enquanto que o Crowd Surf também era uma válida manifestação na instintiva exteriorização do que é vivenciar todo o fulgor de um concerto de Orange Goblin. De punhos cerrados e cervejas ao alto, o eloquente vocalista Ben Ward acicatava todo um público afogueado pela exaltação. Do palco eram libertados motorizados Riffs de fácil digestão e veneração, e fora dele o ambiente era de um selvático frenesim. A par do que acontecera em 2017 aquando da sua estreia em Moledo (review aqui), o quarteto inglês mostrou-se irredutível na arte de entusiasmar toda uma plateia sedenta de algo assim. Com o apoteótico final de Orange Goblin, o meu segundo dia de festival estava também findado.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

☀️ Roadburn 2020

📀 War Cloud - 'State of Shock' (27/09/2019, via Ripple Music)

⚡️ SonicBlast Moledo: Dia 1 ⚡️

Apesar das fortes previsões de vento e chuva destinadas à freguesia de Moledo, raiava em mim todo um crescente e esplendoroso entusiasmo coligado com a inabalável convicção de que se avizinhava mais uma inolvidável edição do festival SonicBlast Moledo. No final da manhã de quinta-feira – de mochila atestada até ao limite das suas costuras, mala do carro totalmente guarnecida, olhar cravado no firmamento em que o asfalto se desdobrava até onde as pupilas perdem vivacidade, e num compenetrado processo de auto-aceitação em relação à inevitabilidade de perder Jesus the Snake – regressava a Moledo, renovando a sagrada peregrinação que desde há muito se repete sem qualquer interrupção. Findados os cerca de 230 quilómetros que separam a minha residência da meca ibérica do psicadelismo, debaixo de um céu esperançoso onde tímidos raios solares tocavam ao de leve e aqueciam o negro alcatrão, os meus receios climatéricos ganhavam uma monolítica volumetria na chegada à então pardacenta aldeia minhota. Sobrevoado e intensamente vigiado por uma opaca e sisuda nebulosidade com credíveis promessas de fortes aguaceiros, o primeiro dia de SonicBlast estava irremediavelmente fadado a decorrer numa atmosfera outonal em pleno mês de Agosto. Depois de instalada a tenda num pequeno e pacato campismo privativo próximo do recinto do festival, onde já muitos campistas se haviam antecipado e colhida a pulseira de acesso ao mesmo, abatera-se uma repentina e incessante chuva diluviana que apanhara todos de surpresa. Num misto de comodidade e empolgamento, e desconforto e prostração, a crescente mancha de festivaleiros que se aglomerava à entrada do recinto principal (onde por culpa da tempestade e pela primeira vez na história do festival decorreriam todas as actuações do dia) ia dando sinais de uma evolutiva adaptação perante aquele cenário adverso.

Com o céu embaciado e o solo molhado, o Verão abrigou-se no palco.
Foi já com as suecas MaidaVale em palco – entregues à imerecida tarefa de rivalizar com a chuva e vento pela conquista do protagonismo – que avancei até ao interior do recinto principal. Apreciador confesso do seu magnífico álbum de estreia ‘Tales Of The Wicked West’ lançado em 2016 (review aqui) mas sem os mesmos sentimentos de fascinação pelo seu sucessor, este quarteto de total dominação feminina e sediado na cidade de Estocolmo era(-me) uma das principais atracções da tarde. Com uma plateia ainda muito descompactada e descaracterizada, MaidaVale não deixou de acalorar e perfumar os húmidos ares de Moledo com seu dançante, entusiástico, bem-disposto e contagiante Psychedelic Rock de curvaturas serpenteantes e essência revolucionária, motivando a aproximação ao palco dos mais audazes festivaleiros a quem a chuva não parecia importunar. Uma performance de curta duração – castrada pelo vigor da intempérie – mas que nos enfeitiçara e persuadira com o seu místico manto primaveril. Seguiam-se os nipónicos Minami Deutsch com o seu hipnotizante, meditativo e deslumbrante Krautrock que forçaram todos os presentes a uma ligeira e entretida hipnose de cabeça pendulante e olhar envidraçado sem permissão para pestanejar. Uma actuação que – a par da anterior – ficara a perder não só pela pouca durabilidade da mesma, mas essencialmente pelo défice de absorção que a sonoridade do colectivo japonês assim exige e lhe fora ofuscada pela marcada presença do mau tempo.

Se não consegues derrotar o mau tempo, junta-te a ele.
Com o suave e indiscreto decréscimo da luminosidade a celebrar a passagem crepuscular do dia para a noite, subiam a palco aqueles que acabaram por perpetuar e coroar mesmo a sua exibição como uma das mais singulares desta 9ª edição do SonicBlast: os noruegueses The Devil and the Almighty Blues. A chuva parecia finalmente esmorecer e dar tréguas perante os tantos impropérios a ela arremessadas pelos incontáveis festivaleiros que lotavam a presente edição do festival. As nuvens de tonalidade escurecida e feições ameaçadoras coligavam-se entre si, formando uma gigantesca, vaporizada e fantasmagórica avalanche de nebulosidade que escorregava lentamente pelas proeminentes montanhas circundantes para envolverem o palco principal. Amortalhados por essa ambiência outonal, os The Devil and the Almighty Blues – munidos do seu muito aclamado novo álbum ‘TRE’ (review aqui) – arrancavam para uma performance verdadeiramente catártica. Fundamentados num majestoso, obscuro, enigmático e cavernoso Heavy Blues de clara descendência Black Sabbath’ica, estes vikings da era moderna hastearam em Moledo todo um admirável repertório – revisitando todos os três cantos da sua discografia – onde os seus característicos riffs oxigenados, entalhados e conduzidos a uma enegrecida, desarmante e engrandecida nobreza, e em parceria com os vocais melodiosos, roucos e liderantes forçavam todos os corpos presentes a vergarem-se perante a sua vistosa soberania. Provavelmente o meu concerto favorito do dia. Seguia-se a ocultista liturgia de Lucifer, mas era hora de dar uso a um dos outros sentidos: o paladar. Deixando a intrigante musicalidade desta banda multinacional (fundada em Berlim e posteriormente transladada para Estocolmo) para segundo plano, avancei de glândulas salivares em crescente actividade para a zona de restauração. A chuva e o vento regressavam com impetuosidade, e a tensa e portentosa reverberação Doom’esca dos escandinavos Monolord teve de ser vivenciada num local afastado, abrigado e situado num ponto sobranceiro e de visão privilegiada sobre todo o recinto principal, onde dezenas de outros festivaleiros se refugiavam e reconfortavam. Iguais a si próprios, os repetentes Monolord (no que a aparições em Moledo diz respeito) desprenderam as suas pujantes, carregadas e colossais ressonâncias na direcção da numerosa plateia que corajosamente subsistia em frente ao palco. Peso, densidade e vigor representam a santa trindade que coroa a impactante sonoridade deste possante trio sueco, e mesmo eu estando a uma considerável distância do epicentro, termino o concerto integralmente embebido num intenso torpor.
Depois da tempestade, veio a bonança.
Earthless motivava uma nova reaproximação dos muitos festivaleiros até então abrigados da chuva, e eu não fui excepção. Presentes no line-up do SonicBlast pelo segundo ano consecutivo, era de esperar que subissem a palco com uma setlist alternativa à demonstrada na passada edição de 2018 (review ao concerto aqui) mas os príncipes californianos acabaram por desdobrar uma exibição demasiado aparentada à já ostentada aquando da sua estreia em Moledo. De suspeitas parcialmente defraudadas, mas de espírito revigorado com o cessar da chuva, deixei-me embalar à boleia da agitada ondulação corporal que as sónicas jam’s de Earthless provocavam no populoso e revoltoso auditório. Numa eloquente performance balanceada entre o ‘From the Ages’ (2013) e o seu mais recente álbum ‘Black Heaven’ (lançado em 2018 e elogiado aqui), este influente tridente de San Diego presenteara todos aqueles festivaleiros de coração palpitante e olhar chamejante com o seu excitante, portentoso e alucinante Heavy Psych de onde se desenraíza e desabrocha todo um vendaval de solos ziguezagueantes, ciclónicos, caóticos e atordoantes – de extensão e toxicidade a perder de vista – empolados por uma habilidosa, frenética, estética e tumultuosa bateria de inesgotável fôlego, e sombreados por um baixo hipnótico, fibrótico e diligente que assegura que nenhum de nós se esquece de sussurrar as notas do Riff-base. De Earthless destilámos uma imaculada, irrepreensível e renovada lição de sinergia, virtuosismo e energia conjugados quase de forma erótica. Mas como a Escandinávia era detentora da maior dose de protagonismo deste primeiro dia de festival, os tão ansiados Graveyard perfilavam-se em palco de instrumentos empunhados e sorrisos atirados na direcção de um público verdadeiramente extasiado. E foi embrulhados no seu requintado, deleitoso, libidinoso e perfumado Heavy Blues de arranjos desarmantes e indiscretas feições revivalistas que nos deixámos dissolver, enfeitiçar e enternecer na cuidada e sublimada musicalidade deste reverenciado quarteto sueco. De olhar petrificado e semi-cerrado, cabeça pausadamente balanceada de ombro a ombro, sorriso imortalizado no rosto, e alma ensolarada e mitigada pela melosidade deste néctar via auditiva, fomos massajados e canonizados pela edénica e embriagante suavidade dos acordes que sobrevoam os floridos territórios de Graveyard. Um verdadeiro oásis sensorial onde todos nós nos banhámos e tonificámos depois de um dia exaustivo. Assim que os instrumentos foram relegados ao silêncio, deixei-me por fim derrotar às mãos do cansaço e verti todos os derradeiros resquícios de lucidez num profundo universo onírico. O primeiro dia estava (para mim) esgotado e o segundo encerrava um renovado entusiasmo.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Sucking the 70's

Review: ⚡ Warp - 'Warp' (2019) ⚡

Formada por integrantes de outras bandas Punk locais, Warp afirma-se como mais um valor seguro por entre a profusa e emergente cena underground hasteada em Tel Aviv. Morada de referências como Ouzo Bazooka, Turkish Delight, Heavy Stone, J A V A e The Great Machine, a populosa cidade israelita continua a cimentar e consagrar a sua posição dentro do panorama Rock universal, e o recém-formado tridente Warp são prova disso mesmo. Nascido em solo invernal e promovido sob a forma física de CD pela mão da conceituada editora discográfica local Reality Rehab Records (numa edição ultra-limitada a apenas 100 cópias disponíveis) e ainda em vinil através do carismático selo germânico Nasoni Records (numa prensagem limitada a 300 cópias existentes), este impactante álbum de estreia (e que estreia!) vem assombrado e incendiado por um poderoso, obscuro, denso e nebuloso Heavy Psych de intrigantes e aterradoras feições Doom’escas, locomovido e esporeado a duas velocidades muito contrastadas e com ousadas mas bem resultadas aproximações a um ostentoso, vigoroso, luciférico e cavernoso Heavy Blues de aroma setentista. Contando ainda com uma (in)discreta influência do irreverente Punk Rock na sua engrenagem rítmica, a ácida, implacável, intensa e entusiástica fogosidade de ‘Warp’ balanceia-se por desenfreadas, alucinantes e destravadas galopadas à rédea solta, e lentas, lisérgicas e lamacentas exalações de elevada toxicidade. São cerca de 29 minutos completamente saturados de uma vulcânica e selvática efervescência que nos sacode e implode sem qualquer moderação. De maxilares cerrados, coração taquicardíaco, respiração ofegante e cabeça rodopiante somos enfeitiçados e amaldiçoados pelas enigmáticas danças Black Sabbath’icas manifestadas por uma tirânica e monolítica guitarra de extravagantes, sombrios, perversos e hipnotizantes riffs tomados e agastados pelo urticante efeito Fuzz e de onde são desprendidos, florescidos e soberbamente conduzidos majestosos, ziguezagueantes, penetrantes e vertiginosos solos, uma excitante, enérgica e atordoante bateria executada e desembaraçada a alta rotação, um baixo pulsante, volumoso e pujante de bafagem (in)tensa, fibrótica e magnetizante, e ainda uma gélida, ecoante, diabrina e azedada voz que completa na perfeição todo este arrojado ritual de vocação e adoração ocultista. É de alma integralmente vencida e curvada à sombra deste monstruoso e dominante ‘Warp’ que me encontro logo após a sua audição. Deixem-se envolver e afoguear pela febril ferocidade de Warp, e vivenciar com pleno fascínio e redenção toda a durabilidade de um dos álbuns mais provocantes e empolgantes lançados neste abastado ano musical de 2019. Um registo praticamente esboçado e talhado à minha imagem, e que estará certa e firmemente empenhado por entre o pelotão final nas últimas etapas do ataque ao tão almejado título de disco do ano.

🎙 Wino // Saint Vitus

⚜️ Jimi Hendrix

Kadavar - "The Devil's Master" (Nuclear Blast Records, 2019)

The Heavy Minds - "Spheres" @ ViewMusic Session