Antevendo o valor absurdo da
cerveja no interior da Sala Caracol, empunhámos latas de cerveja compradas por
um preço acima do razoável numa mercearia ali perto. A passos curtos – devido à
populosa fila da qual fazíamos parte - fomos afunilando até à bilheteira. Ainda
cá fora, recebemos um agradável e surpreendente “Olá” de dois dos melhores
pescadores musicais que Portugal conhece (eles perdoam-me a metáfora elogiosa,
espero): o Ricardo e a Telma, organizadores do festival Sonic Blast em Moledo
do Minho. Tempo para trocar palavras amigáveis e manifestar prognósticos sobre
o que se avizinhava. Já El Páramo
fustigavam os seus instrumentos quando entrámos na Sala Caracol de atenções viradas
para o palco. Depois de ter visto Om em 2010 nessa mesma sala actuarem para 1/3
da sua lotação, foi com uma sensação estrangeira que a vi apinhada de público.
Também era repetente no que diz respeito a ver ao vivo Colour Haze (no saudoso festival de rock & psicodelia del
Castell de Guadalest em 2009) e My Sleeping Karma (no fervilhante Up In Smoke vol.III (Munique) em 2011).
Enquanto El Páramo disferiam na atmosfera sonora o seu Stoner Rock sem qualquer
tempero e travão, avançámos até ao balcão mais próximo para beber uma cerveja.
A intenção primária era pedir uma cerveja para cada um, mas quando ouvimos a exagerada
quantia de 9 euros por cada cada uma, decidimos comprar apenas uma pelos - e
para os - quatro. No meio de queixumes revoltosos regressámos à plateia para atracar
os nossos corpos e assistir com atenção ao resto da actuação dos madrilenos El
Páramo. Depois de pousarem os instrumentos, o cheiro a suor, o vácuo nos
ouvidos e o coração ainda ofegante descreveram a ressaca do concerto. Polegar
levantado a esta banda que muito possivelmente chefia o pelotão do Stoner Rock
espanhol (depois de Viaje a 800 anunciarem a sua saída dos palcos). Seguia-se My Sleeping Karma e o meu coração
debatia-se contra os pesados ventos da ansiedade. Ventos esses que me obrigaram
a galgar terreno até à frente do palco. Quando estes quatro peregrinos das
estradas hinduístas pisaram o palco, senti a inabalável certeza de que dariam
um dos concertos da minha vida. E assim foi! My Sleeping Karma aceleraram rumo
a um concerto tremendamente arrebatador e delirante. Os corpos da plateia
respondiam a esta verdadeira ode espiritual com hipnóticas danças conduzidas de
olhos fechados. Eu sussurrava para mim mesmo as já familiares linhas de baixo
enquanto levitava pelas encantadas estradas do riff. A harmonia foi soberana na
Sala Caracol, e nem as quebras de luz abrandaram a emotividade transpirada pelo
quarteto alemão. A ambiência estava mais entusiástica que nunca. Depois de
assistir pela segunda vez a este perfeito exorcismo que é ver ao vivo My
Sleeping Karma, afirmo sem gaguejar que é uma penetrante experiência
transcendental a que o nosso corpo e mente responde com êxtase. My Sleeping
Karma abriram as portas da percepção, e posso jurar que no meio dos entusiastas
aplausos finais, avistei a deusa Krishna dedicar-lhes prolongadas vénias.
Quando as cortinas se fecharam, pude atentar toda uma plateia ainda a
recompor-se daquela intensa viagem espiritual. Mas não houve tempo de regressar
ao planeta Terra, até porque Colour Haze
já afinavam os instrumentos perante um público ruidoso e de corações ao alto. Este trio germânico
instaurou um perfeito manto primaveril sob os nossos pés e proporcionaram-nos a
vivência de uma realidade tão para lá da conhecida. A ataraxia foi o único ar
respirável. Temas como “Aquamaria”, “Tempel”, “Transformation”, “Moon”, "Peace, Brothers & Sisters!", "Get it On" e
“Love” alimentaram o nosso organismo
com THC. A plateia sentia com enorme evidência toda aquela fragância sedutora e
entregava a sua conduta aos riffs orgásmicos que a guitarra de Stefan Koglek
expelia na atmosfera. O Paraíso florescia ali. Colour Haze brindaram-nos com
cerca de duas horas do melhor que a música pode provocar no ser humano. Foi um
concerto para levar comigo vida fora, e a extensão do mesmo ainda perdura na minha
cabeça e no meu coração.
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