Confesso que não me revejo
inteiramente no modelo adoptado pela organização do Reverence Valada ao incluir
55 bandas em apenas dois dias de festival. Penso que a ingratidão foi
partilhada pelo público e algumas das bandas (principalmente aquelas que não
tocaram em “horário nobre”). O público porque penso que - secretamente e na sua
generalidade - gostaria de ter visto tudo; e para algumas bandas porque se viram
perante uma plateia modesta, ainda de ramelas ancoradas aos olhos e bocejos
comedidos. Eu sabia, na minha honestidade, que não conseguiria ver tudo e, por
isso, levei uma cábula com os concertos que mais desejava ver em solo ribatejano.
Ainda assim, a minha disposição física impediu-me de ver alguns deles. Confesso
que não vi grande parte dos concertos da tarde, nem dos concertos agendados
para depois das 02h da noite. Ainda assim pude desfrutar da melosidade de
Graveyard, da pujança de Red Fang, do hipnotismo de Cave, do surf-western-rock
de Spindrift, da odisseia petrificante e emblemática de Hawkwind, e,
principalmente, do ritual que se adjectivou a cerimónia de Eletric Wizard.
Depois de os ter visto em 2010 na
estreante edição do Milhões de Festa – onde deram um concerto imensamente
nebuloso e vertical – poder revê-los ao vivo era mesmo dos meus desejos
musicais mais determinantes. A performance de Electric Wizard esbarrou e
abraçou de sublime forma toda a minha expectativa. Ainda a banda acendia o sagrado
incenso no seu turíbulo demoníaco e dedilhava os primeiros acordes, quando a plateia
já se sacudia e respondia com movimentos pendulares, chefiados pelo oxigénio entorpecedor
exalado pelos instrumentos em palco. Uma fumarenta comoção capaz de nos cerrar
as pálpebras e dilatar as narinas. Um concerto sideral e arrebatador pelo lado
mais enevoado, soporífero e transcendente do Doom. A Liz Buckingham dançava e
encantava debaixo da sombra do seu monolítico amplificador, soltando pesadas
descargas decibélicas na alma já extraviada de quem em Electric Wizard
comungava. Jus Oborn encabeçava toda aquela radiação enegrecida que se esbatia
com enorme destaque nas nossas mentes exorcizadas e entregues à submissão do
Riff. Estávamos todos convertidos em fanáticos peregrinos na incansável e
prazerosa jornada pelas lisérgicas estradas que se renovavam infinitamente no
firmamento da nossa percepção embriagada. Foi um dos concertos da minha vida. Um
dos mais vividos até agora.
Um aplauso ininterrupto a todos os
obreiros do Reverence Valada, porque mesmo não me revendo no modelo que foi
posto em prática (como já referi acima), admito que fora uma missão
tremendamente hercúlea e ambiciosa. Em relação ao espaço (terreno e distracções
culturais nele dispostas) admito ter sido, a par do Festival de Psicodelia de
Castell de Guadalest, um dos mais atractivos. Continuem a embelezar o nosso
país com o que de melhor existe e subsiste no universo musical. E se assim for:
até para o ano, Valada.
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