Acordei e encontrei-me
adornado pelo acolhedor âmago da tranquilidade. Apenas se ouvia o canto
primaveril dos pássaros contrastando com a ambiência outonal que no exterior da
tenda ganhava evidência. Facilmente nos desprendemos do reconfortante ambiente
que a tenda nos ofereceu durante toda a noite e caminhámos até ao centro de
Moledo a fim de almoçarmos por lá. Não é costume publicitar restaurantes, mas a
pizzaria “Hamilton” é merecedora dos mais altos elogios. Descobrimos esse
espaço em 2014 e não mais conseguimos dissociar “Fome em Moledo” de “Hamilton”.
Depois de almoçados caminhámos calmamente até ao recinto do festival.
Seguiam-se os Vircator e fazíamos enorme questão em
vê-los. A banda “da casa” dedilhou a sua envolvente e contemplativa musicalidade
perante uma plateia que ainda ganhava dimensão. O quarteto natural de Viana do
Castelo brindou-nos com uma performance esclarecedora e arrebatadora, mostrando
o encantamento e complexidade de um Post
Rock, que muitas das vezes se convertia em Psych Rock e até num Doom
fulgurante e capaz de desatar alguns pescoços mais inibidos da plateia. Foi uma
exibição admirável e merecedora de um longo e sincero aplauso que se fez sentir
assim que a banda desligara os amplificadores. Seguiam-se os exuberantes Galactic Superlords, provenientes da
Alemanha, que traziam o seu musculado e virtuoso Hard Rock. Atrelado aos 70’s, este quinteto impressionou todos os
presentes com uma exibição enérgica e entusiasmante. Todas as atenções estavam ancoradas
em Galactic Superlords e no seu Hard Rock provocador. As colunas contorciam-se
com a berrante e corpulenta voz de Katharina Heldt que de punhos cerrados no
microfone assombrou os semblantes de uma plateia assumidamente conquistada. Pertenceu
a eles uma das mais conseguidas prestações no palco da piscina. Estavam aí os Astrodome dispostos a projectar as
nossas consciências tão para lá daquele céu pardacento e conduzi-las ao
fecundante e espantoso universo de firmamentos estelares. Este quarteto natural do
Porto (e recente aquisição do estúdio minhoto Hertzcontrol) colocou os capacetes de astronauta e avisou Houston sobre
o sucesso da sua descolagem. Juntamente com eles foi toda uma plateia embriagada
pelo seu Heavy Psych muito bem
trabalhado e conduzido. A chuva começava a cair com crescente intensidade mas a
anestesia promovida pela sonoridade lisérgica de Astrodome impedia-nos de
senti-la embater nos nossos rostos adormecidos. Este quarteto de instrumentos
apontados ao Cosmos, provocou em mim uma das mais profundas hipnoses vividas
naquele palco. Não foi fácil regressar de Astrodome e aterrar em mim. Depois de
terminado o concerto, foi tempo de voltar à tenda a fim de saciar a fome e
relaxar um pouco antes de experienciar os ucranianos Somali Yacht Club. Foi já debaixo de uma chuva torrencial que regressámos
ao recinto do festival. Pelo caminho cruzámo-nos com muitos festivaleiros que
no sentido inverso ao nosso procuravam abrigo. Mas a nossa vontade em ver Somali
Yacht Club era impermeável à chuva e assim seguimos a passo longo e confiante
rumo ao palco da piscina. Quando chegámos, já o power-trio havia dado início ao concerto perante uma plateia
reduzida face ao poderio da chuva que tardava em abrandar. Foi-me muito
especial ter vivenciado o álbum “The Sun” ao vivo (não o tivesse considerado um
dos melhores 10 discos de 2014). Também resistentes à chuva, os Somali Yacht
Club não deixaram de dar um concerto de natureza tremendamente fascinante
exibindo com distinção o seu Post Rock/Psych Rock. A meio do concerto a chuva
lá cedeu às nossas súplicas e a plateia em frente ao palco ganhou vistosa
vivacidade. A banda deu um concerto tremendamente viajante e sedutor fazendo
com que o publico se contorcesse prazerosamente e de olhos cerrados perante a
melosidade tanto instrumental quanto vocal. Aposta ganha da organização do
Sonic Blast neste trio ucraniano que provou ser merecedor de novas
convocatórias.
Seguiam-se, no palco
principal, o power-trio francês Libido Fuzz (também eles orientados
pelo estúdio Hertzcontrol). Sou um
confesso admirador desta banda de ares sessentistas
e setentistas que gera uma profusão
sonora que facilmente me estimula e endoidece. A banda arrancou para uma
exibição estonteante e dominante, transpirando o seu Heavy Psych n’ Blues imensamente narcotizante. Libido Fuzz foi uma
verdadeira ode à euforia e a plateia mostrava toda a sua satisfação em comungar
esta verdadeira descarga sónica. A última noite do Sonic Blast começava da
melhor forma com este tridente francês a agitar a maré humana que ia ganhando dimensão
em frente ao palco. De seguida foi a vez dos alemães Wight subirem a palco com o seu característico Psych Rock temperado pelo Funk,
quanto que nós aproveitámos para nos distanciarmos do recinto e comer algo pela
zona de restauração do festival. Não demorámos a regressar ao recinto, pois os
extravagantes The Vintage Caravan
estavam aí prontos para provocar em nós todo um alvoroço emocional. Este power-trio natural da Islândia deu um
dos melhores concertos do festival, surpreendendo todos os presentes com a sua
combustão fervilhante de Heavy Psych
praticado com vistosa excentricidade e exaltação. Estes três músicos
preencheram todo um palco com a sua inquietude explosiva e electrizante. Foi
demasiado fácil conquistarem o público que nem sabia como responde a toda
aquela indomável erupção de solos perfeitamente delirantes e riffs tremendamente vigorosos e
entusiásticos. The Vintage Caravan deram um concerto irrepreensível e de
ressaca duradoura (a par de Greenleaf
e My Sleeping Karma já falados
anteriormente aqui). Estavam aí os Pentagram,
a banda mais aguardada pela maioria dos festivaleiros que – em peso – marcaram presença
nesta edição do Sonic Blast. Não é todos os dias que se vê (e ouve) uma
verdadeira lenda viva do Doom Metal
chamada Bobby Liebling e cada um de nós sentia o peso do orgulho e da
expectativa. Os recém-regressados aos grandes palcos deliciaram toda uma
plateia sedenta de Pentagram, e foram os temas clássicos a recolher os maiores
aplausos e gritos eufóricos. Muito provavelmente fora o concerto em que
testemunhara a maior aderência de sempre no Sonic Blast, e os Pentagram
estiveram à altura desse honorável estatuto. A banda norte-americana arrancou
para uma performance que não deixou ninguém indiferente. A sonoridade inquisidora
destes dinossauros do Doom Metal impôs a que todos lhe obedecessem incondicionalmente.
No final do concerto estávamos todos visivelmente vaidosos por ter assistido a
Pentagram e a tudo o que isso significa e significará futuramente. Para
encerramento do festival, a organização escolheu os germânicos Mother Engine e devo antecipar que foi
uma bela aposta. Este power-trio
arrasou toda uma plateia em êxtase com o seu Psych Rock verdadeiramente aliciante e efusivo. O público respondia
como podia, embatendo entre si, perante toda aquela veemente descarga de riffs possantes e solos desarmantes. Foi
um concerto de um só sentido: a euforia crescente e contagiante.
Regressámos à tenda ainda a
gravitar a ebriedade, fruto de tudo o que havíamos testemunhado ao longo destes
dois dias de Sonic Blast. Admitimos mutuamente tratar-se da edição mais
especial do histórico deste festival e reforçámos o laço de cumplicidade que
nos manterá eternamente na sua órbita. Parabéns ao Ricardo e à Telma pela
renovação do seu sonho acordado que é (e deve ser) também o nosso!
Até para o
ano, Sonic Blast! ✌
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