quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Review: ⚡ Reverence Valada 2016 ⚡ [Dia 2 - Sábado]

Ainda a manhã de sábado se espreguiçava quando um fulgurante banho solar irrompera pelos céus límpidos de Valada e desmaiara acima das tendas atracadas no Parque de Merendas. As minhas pálpebras já seladas com pouca firmeza cederam à primeira luz do dia e depressa acorri ao exterior para inalar a réstia da tímida e fresca brisa que combatia o crescente calor que gradualmente se apoderava da atmosfera. Depois de uma veemente imersão de lucidez tomada abaixo de um chuveiro de água fria, e um tranquilizante repouso na esplanada junto ao rio Tejo debaixo de um todo-poderoso Sol que governava os céus com total soberania, estava pronto a vivenciar com plena entrega e devoção o derradeiro dia do festival Reverence Valada.

Øresund Space Collective
Foi desta formação escandinava que sobressaiu um dos momentos mais encantadores do festival. Alicerçada à envolvente mistura de Prog-Space-Jazz com claras evocações ao Psych Rock florido nos 60’s, a banda liderada pelo eremita Scott Heller (Dr. Space) fez-nos eclodir numa hipnótica odisseia que nos passeara pelas costuras de um Cosmos bocejante. As suas fascinantes e absorventes jams expandem-se pela nossa alma, assumindo com autoridade as rédeas de uma incrível passeata pelas imensas e resplendorosas planícies da introspecção. A plateia vivenciava um verdadeiro estado de transe alimentado pelas incríveis divagações espaciais de Øresund Space Collective. O êxtase estava instaurado em Valada e nada poderia perturbar toda aquela atmosfera onírica que embrulhara aqueles corpos dançantes. A banda e o público nutriam uma perfeita simbiose. As duas guitarras errantes entrelaçavam-se em embriagantes e aveludados acordes que se metamorfoseavam em sidéricos solos capazes de nos espevitar nesta intensa hipnose. A bateria jazzística temperava com perícia e emoção toda esta caravana estelar, o baixo de ondulação robusta e ritmada tonificava e regulava toda esta esquizofrénica digressão, e o sintetizador empoeirava toda a plateia com a sua mágica nebulosidade astral. Foi impossível não dançar Øresund Space Collective de forma detida e extravagante. Uma autentica propulsão da nossa consciência pelo lado eclipsado da Lua.

Steak
Aos primeiros riffs de Steak segredei a mim próprio: “Estava mesmo a precisar de um concerto assim!”. O enérgico quarteto londrino pôs toda a plateia refém de uma euforia desmedida na instintiva resposta corporal ao seu poderoso, fibrado, denso e torneado Stoner Rock de ares desérticos. De maxilares cerrados, cabeças e cabelos em alvoroço e punhos erguidos, o público entregava-se aos portentosos domínios de Steak que debitavam em nós a adrenalina em estado musical. Foi uma performance intensa e estonteante que nos sacudira com veemência do primeiro ao último minuto. A soberana guitarra de riffs abrasivos e dominadores – facilmente sussurrados pelo público – e solos delirantes e penetrantes conduzia os nossos corpos transpirados de entusiasmo, o possante e vibrante baixo fazia-nos estremecer, a bateria explosiva e dinâmica fortificava toda aquela comoção, e a voz feroz e aguerrida liderava e instigava aquela desgovernada locomotiva sonora dada pelo nome de Steak. A performance deste quarteto inglês adjectivou-se um verdadeiro hino à exaltação que nos assolara do primeiro ao último tema. No final do concerto apenas restou a levitação da poeira naquele solo agredido, a respiração arquejante e os nossos corações acelerados.

Papir
Estimulado pela performance deste tridente dinamarquês na agradável companhia de Dr. Space dada no passado dia de festival, tudo em mim gritava e ansiava pelo concerto de Papir. Perspectivava uma encantadora jornada pelo estético, sublime e deslindado Psych Rock de feições Kraut’eanas e assim se materializou. Papir foram irrepreensíveis acima do palco e (e)levaram toda uma plateia já embriagada aos prazerosos braços do deslumbramento. Foi um final de tarde verdadeiramente mágico em que se viveu uma contagiante emoção epicurista promovida pela sedutora e inspiradora sonoridade de Papir. O paraíso estava instaurado em Valada e nada parecia enfraquecê-lo. A brisa veraneia do entardecer atrelava-se à agradável musicalidade de Papir e acariciava-nos com suavidade. Foi de olhar selado e sorriso esculpido no rosto que respondi a uma guitarra ataráxica de acordes elegantes e atraentes e solos hipnóticos, uma bateria imensamente cativante que massaja toda esta etérea erupção musical com sentimento e habilidade, e um baixo de danças magnetizantes e voluptuosas que robustece esta endorfina via auditiva. Respirava-se a doce e edénica inércia. Papir foi um dos concertos mais soberbos e deleitosos do Reverence Valada, e a ressaca do mesmo ameaça perdurar em nós durante muito e muito tempo.

With the Dead
Foi já debaixo de uma noite obscurecida que este quarteto de alma vendida aos luciféricos domínios do Doom Metal desprendera uma cáustica e portentosa avalanche decibélica que nos arrasara sem qualquer misericórdia. A plateia reagia como podia perante toda aquela maciça, reverberante e inquisidora radiação Doom’esca. With the Dead converteram todos aqueles peregrinos musicais que jaziam em frente ao palco em seus devotos apóstolos. Foi demasiado fácil deixarmo-nos assombrar e conquistar pela sua portentosa e impiedosa sonoridade, e detonarmos numa extravagante resposta comportamental. Respirava-se detidamente toda a psicotrópica exalação de With the Dead e os nossos corpos inanimados testemunhavam a sagrada eclosão da alma. A titânica guitarra de danças demoníacas envaidecia-se em monolíticos riffs que nos sombreavam, o supremo baixo agigantava-se em possantes e vibrantes bafagens, a cintilante e ecoante bateria galopava com autoridade toda esta atmosfera amaldiçoada, enquanto que os vocais gélidos, diabólicos e distorcidos mantiam-nos de olhar vigilante e atracado naquele nefasto altar. With the Dead foi um inesquecível ritual ao qual ninguém se recusou a comungar. Muito provavelmente o melhor concerto deste último dia de Reverence Valada e certamente um dos mais nebulosos que presenciara em toda a minha vida.

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