terça-feira, 15 de agosto de 2017

🔥 SonicBlast Moledo 2017: Dia 1 🔥

O ano de 2017 encontrou o SonicBlast no ponto mais alto da sua história. A empolgante receita sonora apresentada pela organização para a presente edição do festival não deixou nenhum dos seus seguidores indiferentes e motivou uma enchente sem igual na pequena freguesia minhota de Moledo. O Sol respirava boa saúde – com o seu bafo a atingir a marca dos 30°C – e o oceano Atlântico trazia uma suave e fresca brisa marítima que avivava todos aqueles que – tal como eu – procuravam o espaço ideal para fundear a tenda. Os primeiros sintomas de que esta edição do SonicBlast iria superar todas as anteriores começaram a sentir-se ainda no campismo, com o mesmo completamente lotado de peregrinos musicais. Os trilhos arenosos que nos conduziam até ao âmago da floresta estavam emoldurados de tendas, geleiras e muitos festivaleiros de cerveja empunhada. Assim que martelei a última estaca da tenda confessei a mim mesmo que – ao contrário das restantes edições – este ano dificilmente conseguiria regressar à tenda no decorrer dos concertos (tal era a relação entre a qualidade e a quantidade das bandas acima de palco). Não foi fácil obedecer às necessidades básicas como comer, descansar e recorrer à casa de banho sem sentir uma pequena réstia de culpa por perder (pelo menos visualmente) alguns concertos, mas como contrariar esses desejos da nossa natureza seria humanamente impossível, tive de arquitetar um rigoroso plano de prioridades em relação às bandas da presente edição que não poderia perder por nada. Seguem-se os concertos que mais me marcaram (pela positiva, é claro) neste primeiro dia do festival.

Holy Mushroom | 14:25 | Palco Piscina
Foi através desta jovem formação espanhola que se iniciara o primeiro de muitos contactos cósmicos entre a nossa mente e o espaço sideral. Com o seu primeiro trabalho (review aqui) a nortear toda a performance de Holy Mushroom, este quarteto natural da cidade de Oviedo (Astúrias, Espanha) lançou-se para uma envolvente, ácida e delirante jam que nos empoeirara de matéria estelar do primeiro ao derradeiro tema. O público estimulado pela sua lisérgica e encantadora sonoridade acorria ao recinto e as últimas peças do puzzle humano começavam a posicionar-se rapidamente. A numerosa plateia – embriagada pelo narcotizante Heavy Psych de essência astral – balanceava-se harmoniosamente ao som de uma guitarra estarrecedora que se manifestava em alucinantes solos e enigmáticos riffs, um baixo groovesco de linhas pulsantes e dançantes, uma bateria diligente e um teclado de bailados celestiais que sulfatava toda a ambiência sonora com a sua aura espacial. Holy Mushroom fizeram por merecer toda a confiança neles depositada e presentearam-nos com uma hipnótica e agradável digressão pelos mais distantes, solitários e recônditos astros do negro solo cósmico.

Black Bombaim | 17:10 | Palco Piscina
Por mais vezes que experiencie ao vivo este power-trio barcelense (e já foram mesmo muitas) nunca me canso ou sinto o interesse esfriar. Antes pelo contrário. Cada um dos seus concertos tem uma invulgaridade própria que o diferencia dos restantes e, portanto, garantem sempre diferentes e fascinantes odisseias pelo mesmo universo de Black Bombaim. E a sua exibição no SonicBlast não fugiu à regra. Baseados numa hipnótica, sedutora e deslumbrante peregrinação sonora pelos quentes, dourados e sedosos desertos africanos, esta influente banda portuguesa adornou todo o público com o lado mais viajante, morfínico e extasiante do Psych Rock aliado ao extravagante, empolgante e libertador Free Jazz que superiormente foi desenhado e conduzido por um saxofonista. A plateia balanceava-se num perpétuo movimento corporal como resposta instintiva a toda aquela lubricidade musical. A guitarra distendia-se em estarrecedores solos e riffs ardentes, a bateria concentrava-se numa incessante e emocionante cavalgada, o baixo reverberante e magnetizante vociferava linhas pulsantes, musculadas e dançantes, e o saxofone transcendia-se em exóticos, desvairados e serpenteantes uivos que muito enriqueceram este verdadeiro safari pelos místicos domínios de Black Bombaim. Na piscina vivia-se um contagiante clima de boa disposição e seguramente um dos concertos mais arrebatadores do primeiro dia. Assim que desligaram os amplificadores e pousaram os instrumentos não foi nada fácil despertar de toda aquela intensa e profunda hipnose que nos abraçara, assaltara e dominara ao longo de toda a actuação.

The Great Machine | 18:00 | Palco Principal
Com parte da responsabilidade de substituir os germânicos Kadavar que poucas semanas antes haviam cancelado a sua presença no SonicBlast, estava o poderoso power-trio israelita The Great Machine que – devo já adiantar – provocara na plateia um dos momentos mais eufóricos do festival. Nenhum de nós estava física ou psicologicamente preparado para enfrentar toda aquela desgovernada explosividade que nos sacudiu violentamente ao longo de todo o concerto. Foram – para mim – uma das maiores surpresas (pela positiva) do festival e é muito graças a eles que as dores musculares nas pernas e pescoço ainda hoje perduram. Baseada num poderoso, atlético e inflamante Heavy Rock – tanto sombreado pelo arrastado, denso e vigoroso Psych Doom como esporeado pelo dinâmico, furioso e convulsivo Punk Rock – a selvática sonoridade de The Great Machine contaminara e conduzira todos os corpos que se agitavam em frente ao palco. A guitarra agigantava-se em riffs corpulentos, cáusticos e inquisidores, o baixo rugia pesadas, titânicas e torneadas linhas, a bateria trovejante orientava-se a potência e emoção e os vocais cavernosos e guturais completavam na perfeição toda esta volumosa, tóxica e tumultuosa descarga sonora. The Great Machine brindaram-nos com uma performance verdadeiramente arrasadora que despertara em cada um de nós toda uma colérica e saturada erupção de adrenalina.

The Well | 19:05 | Palco Principal
Este tridente ofensivo natural da cidade de Austin (Texas, EUA) representava uma das bandas por mim mais aguardadas do festival. Sendo um admirador confesso do primeiro álbum ‘Samsara’ (review aqui) mal podia esperar por vivenciar ao vivo – pela primeira vez – todo aquele luciférico, alucinógeno e enigmático Psych Doom entrelaçado num nebuloso e eletrizante Heavy Psych capaz de amortalhar, possuir e profanar a alma do ouvinte. E assim sucedeu: The Well materializara as mais altas expectativas que previamente lhes dedicara e arrancaram para uma performance irrepreensível que narcotizara e incendiara todos aqueles fiéis de olhos e ouvidos neles ancorados. O público – seduzido pela sonoridade - aproximava-se da frente do palco e exteriorizava tudo o que The Well nele provocava. Na índole desta pesada e psicotrópica cavalgada que nos atropelou sem qualquer moderação estava uma guitarra de riffs demoníacos, febris e vibrantes e solos extraordinários e delirantes, um baixo inquisidor de hipnóticos, atraentes e dominantes bailados, uma bateria fulgurante de entusiástica orientação rítmica e os vocais ecoantes, lisérgicos e penetrantes que imergiam da nebulosidade instrumental. Um dos concertos mais enigmáticos do SonicBlast.

Kikagaku Moyo | 21:15 | Palco Principal
Depois de todo o peso transpirado pelas bandas que até então haviam subido ao palco principal, chegara a vez de serenarmos e mergulharmos num profundo e aveludado oceano de ataraxia ao deslumbrante som dos nipónicos Kikagaku Moyo. Fundamentados numa sonoridade mântrica de onde sobressai um requintado, envolvente e encantador Psych Rock em alegre consonância com um magnetizante, sumptuoso e reconfortante Krautrock que nos massaja o cerebelo, esta adorável formação oriental conduziu a nossa espiritualidade aos braços do tão almejado transe. Moledo estava apaixonado e petrificado com toda aquela extasiante radiação que nos afagava e bronzeava a alma. As pessoas dançavam de olhar selado e sorriso talhado no rosto. O paraíso estava instalado em cada um de nós e vivia-se uma generalizada e imperturbável sensação de bem-estar. As guitarras dialogavam entre si desenvolvendo envolventes, agradáveis e comoventes acordes, a cítara envaidecia-se em solos verdadeiramente edénicos e estarrecedores, a bateria tribalista galopava com perícia e emoção, e a voz suave e espectral passeava-se livremente pelas etéreas e sublimes paisagens sonoras de Kikagaku Moyo. Nada poderia contrariar todo o arrebatamento brilhantemente cozinhado pelos japoneses e na plateia testemunhava-se um verdadeiro estádio de enlevação. No final do concerto – debaixo de um magnífico viveiro estelar – estávamos todos siderados com o que havíamos presenciado. Segredei a mim mesmo que Kikagaku Moyo havia dado o concerto mais tocante do primeiro dia. Foi imensamente lindo e a sublimidade do mesmo será levada por todos aqueles que o vivenciaram para o resto das suas vidas.

Monolord | 22:35 | Palco Principal
A pesada vibração estava de regresso ao palco principal e desta vez levada a cabo por um dos nomes mais sonantes da presente edição do SonicBlast. Os suecos Monolord foram autenticamente demolidores e desprenderam toda uma musculada, portentosa e absorvente avalanche decibélica que prontamente nos devastou a lucidez e arremessou a consciência para os mais fundos e sombrios precipícios da existência humana. A plateia enfrentava um potente tremor e – na tentativa de acompanhar a imensa ferocidade rugida acima de palco – manifestava-se com bruscos e extravagantes movimentos corporais. Foi à boleia do tirânico, passante e impetuoso Psych Doom de Monolord que vivenciei um dos momentos mais altos do festival. A imponente guitarra amuralhava-se em riffs pujantes, obscuros e monolíticos e em solos cáusticos e mirabolantes, o vultoso baixo de linhas viris, lentas e carregadas robustecia toda a atmosfera despótica, a bateria retumbante detonava poderosas, vagarosas e redentoras cadências, e a voz fecundante, límpida e visceral ecoava e assombrava toda aquela fumarenta e demoníaca obscuridade que nos governou ao longo de todo o concerto. As colunas estremeciam na passagem de toda aquela sísmica ressonância e os nossos corpos eram constantemente agredidos de forma impiedosa pela corrosiva e veemente reverberação. Monolord foi uma experiência tremendamente marcante e indubitavelmente um dos concertos mais explosivos do SonicBlast.

Elder | 00:00 | Palco Principal
Às doze badaladas o palco principal recebia um dos principais motivadores da inundação humana que a presente edição do SonicBlast recebeu. Os norte-americanos Elder visitavam Portugal pela primeira vez e o público suspirava de ansiedade. Eu transbordava de expectativa em relação a este concerto, não fosse Elder uma das bandas da minha vida, mas o mesmo acabou por não corresponder inteiramente ao que dele esperava. E isto porque estou emocionalmente acorrentado aos dois primeiros álbuns da banda e a mesma dedicou praticamente toda a actuação aos dois últimos álbuns, terminando – ainda assim – da melhor forma com a surpreendente inclusão do tema “Gemini”. Elder tem vindo a cortar com a vertente mais Doom’esca que caracteriza a raiz da banda e desenvolvendo e aprimorando uma veia mais Prog’ressiva para gáudio de muitos e desalento de tantos outros (como eu). Ainda assim não consegui tirar o olhar do palco e – principalmente – da superior condução do Nick DiSalvo ao volante de riffs hipnoticamente complexos e solos berrantes, vertiginosos e alucinantes que promoviam e nutriam toda uma dança de cabelos soltos na populosa e compacta plateia em frente ao palco. No seu apoio estavam um baixo de bafagem oscilante e vigorosa, uma bateria de firme orientação rítmica e uma segunda guitarra responsável por manter o riff sempre presente enquanto o Nick se transcendia num emaranhado de fascinantes, virtuosos e excitantes solos. No final do concerto as opiniões sobre o mesmo pendulavam entre o “muito bom” e o “bom” mas todas elas esbarravam num ponto em comum: Elder ao vivo é um espectáculo que todos deveriam comungar.


*Um agradecimento muito especial ao Bruno Pereira (Wav.) pela cedência do registo fotográfico.

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