sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Review: ⚡ Kimono Drag Queens - 'Songs of Worship' (2020) ⚡

★★★★

Da oceânica cidade de Sydney (situada na costa este da Austrália) chega-nos uma das mais agradáveis surpresas sonoras de 2020. ‘Songs of Worship’ dá nome ao devocional álbum de estreia impecavelmente pensado e executado pela auspiciosa, jovem e populosa formação australiana Kimono Drag Queens, que acaba de ser oficialmente lançado hoje mesmo pela mão do selo discográfico local Copper Feast Records em formato digital e nas variadas edições físicas em vinil (ultra-limitadas a poucas dezenas de cópias disponíveis). Deste sumarento, frutado e apaladado refrigerante borbulha e emerge toda uma apaixonante profusão de desiguais géneros musicais que, em afrodisíaca simbiose, provoca no ouvinte toda uma inesgotável fascinação, imperturbável êxtase, e ardente comoção. De corpo serpenteante, cabeça baloiçante, pálpebras rebaixadas, sorriso golpeado no rosto e espírito integralmente absorvido num perfeito estádio de febril deslumbramento, somos convidados a ingressar num místico e paradisíaco ritual de afago sensorial, superiormente celebrado por um perfumado, catártico, ataráxico e ensolarado Psychedelic Rock de coloração sessentista e tempero West Coast, um provocante, exótico, erótico e contagiante World Music predominantemente musicado no idioma Tuaregue, e ainda um imersivo, estético, hipnótico e contemplativo Krautrock de odor oriental que resvala nas orvalhadas fronteiras de um embrumado, sussurrado, melancólico e fantasmagórico Shoegaze. A sua apetitosa, açucarada, caleidoscópica e caprichosa musicalidade passeia-se formosa e progressivamente numa delicada, leve, onírica e embriagada fluidez que nos massaja todas as zonas erógenas do cérebro. Suspensos numa órbita nirvânica exercida pela sagrada influência de Kimono Drag Queens, somos nebulizados e mergulhados nas profundezas de um relaxante estádio de perfeito bem-estar que nos climatiza e narcotiza do primeiro ao derradeiro tema. São cerca de 32 minutos de prazerosa imersão nas vertiginosas funduras da introspecção ao messiânico som de alucinógenas guitarras que modelam envolventes, arábicos e eloquentes acordes e rubricam intoxicantes, delirados e formigantes solos, um baixo pulsante que se adensa em linhas revestidas a reverberação e robustecidas a negrito, uma galopante bateria – escoltada de perto por uma percussão tribal de suor tropical – esporeada a ritmicidade pausada, sedutora e compenetrada, um quimérico teclado que sulfata com melosa magia todas estas planícies veraneias, e ainda uma voz aveludada, lustrosa e caramelizada – sombreada por um ecoante coro espectral de angelicais vozes femininas – que veleja com desarmante fineza todo este diamantino oceano de pacifica ondulação. De destacar e elogiar ainda o boémio artwork de criativos adornos étnicos que aponta os seus créditos autorais à ilustradora Claire Johnson e confere rosto a esta preciosa obra. É de lucidez ainda atordoada e alma arrebatada que alcanço o desconfortável silêncio deixado pela ressaca do mesmo. ‘Songs of Worship’ é um registo utópico que merece ser detidamente namorado e intensamente reverenciado. Um verdadeiro néctar de mescalina que desagrega a consciência do ouvinte e a transcende aos proféticos braços do transe religioso. É impossível quebrar o poderoso feitiço de Kimono Drag Queens. Embarquem nesta reconfortante peregrinação pelos meditativos desertos interiores, e comunguem com inextinguível apego aquele que os meus ouvidos se perfila como um dos mais fortes candidatos a disco do ano.

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