Da oceânica cidade de Sydney
(situada na costa este da Austrália) chega-nos uma das mais agradáveis
surpresas sonoras de 2020. ‘Songs of Worship’ dá nome ao devocional
álbum de estreia impecavelmente pensado e executado pela auspiciosa, jovem e populosa
formação australiana Kimono Drag Queens, que acaba de ser oficialmente lançado
hoje mesmo pela mão do selo discográfico local Copper Feast Records em
formato digital e nas variadas edições físicas em vinil (ultra-limitadas a poucas
dezenas de cópias disponíveis). Deste sumarento, frutado e apaladado
refrigerante borbulha e emerge toda uma apaixonante profusão de desiguais géneros
musicais que, em afrodisíaca simbiose, provoca no ouvinte toda uma inesgotável
fascinação, imperturbável êxtase, e ardente comoção. De corpo serpenteante, cabeça
baloiçante, pálpebras rebaixadas, sorriso golpeado no rosto e espírito integralmente
absorvido num perfeito estádio de febril deslumbramento, somos convidados a ingressar
num místico e paradisíaco ritual de afago sensorial, superiormente celebrado por
um perfumado, catártico, ataráxico e ensolarado Psychedelic Rock de
coloração sessentista e tempero West Coast, um provocante, exótico,
erótico e contagiante World Music predominantemente musicado no idioma Tuaregue,
e ainda um imersivo, estético, hipnótico e contemplativo Krautrock de odor
oriental que resvala nas orvalhadas fronteiras de um embrumado, sussurrado, melancólico e fantasmagórico
Shoegaze. A sua apetitosa, açucarada, caleidoscópica e caprichosa
musicalidade passeia-se formosa e progressivamente numa delicada, leve, onírica
e embriagada fluidez que nos massaja todas as zonas erógenas do cérebro.
Suspensos numa órbita nirvânica exercida pela sagrada influência de Kimono
Drag Queens, somos nebulizados e mergulhados nas profundezas de um
relaxante estádio de perfeito bem-estar que nos climatiza e narcotiza do
primeiro ao derradeiro tema. São cerca de 32 minutos de prazerosa imersão nas
vertiginosas funduras da introspecção ao messiânico som de alucinógenas guitarras
que modelam envolventes, arábicos e eloquentes acordes e rubricam intoxicantes,
delirados e formigantes solos, um baixo pulsante que se adensa em linhas revestidas
a reverberação e robustecidas a negrito, uma galopante bateria – escoltada de
perto por uma percussão tribal de suor tropical – esporeada a ritmicidade
pausada, sedutora e compenetrada, um quimérico teclado que sulfata com melosa magia
todas estas planícies veraneias, e ainda uma voz aveludada, lustrosa e
caramelizada – sombreada por um ecoante coro espectral de angelicais vozes
femininas – que veleja com desarmante fineza todo este diamantino oceano de pacifica
ondulação. De destacar e elogiar ainda o boémio artwork de criativos adornos
étnicos que aponta os seus créditos autorais à ilustradora Claire Johnson
e confere rosto a esta preciosa obra. É de lucidez ainda atordoada e alma arrebatada
que alcanço o desconfortável silêncio deixado pela ressaca do mesmo. ‘Songs
of Worship’ é um registo utópico que merece ser detidamente namorado e intensamente
reverenciado. Um verdadeiro néctar de mescalina que desagrega a consciência do ouvinte e a transcende aos proféticos braços do transe religioso. É impossível
quebrar o poderoso feitiço de Kimono Drag Queens. Embarquem nesta reconfortante
peregrinação pelos meditativos desertos interiores, e comunguem com inextinguível
apego aquele que os meus ouvidos se perfila como um dos mais fortes candidatos a
disco do ano.
Links:
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➥ Bandcamp
➥ Copper Feast Records
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