terça-feira, 30 de maio de 2023

Review: ⚔️ Kristonfest 2023 ⚔️

Depois de em 2018 ter visitado pela 1ª vez o festival madrileno Kristonfest (crónica aqui) – onde subiram a palco os britânicos Conan, os norte-americanos Elder, High On Fire e Monster Magnet, e ainda os nipónicos Church Of Misery – 2023 foi o ano do meu regresso. Para comemorar a décima edição do festival, a organização do evento preparou uma chamativa ementa sonora a ser servida na Sala La Paqui, onde figuraram os espanhóis Rosy Finch, os franceses Mars Red Sky, os norte-americanos The Obsessed e ainda os suecos Graveyard.


A rudeza cáustica de Rosy Finch

Com a responsabilidade de substituir os Inter Arma (que haviam cancelado a sua aparição no festival) a banda caseira – natural da cidade sulista de Alicante – Rosy Finch subiu a palco de olhos postos numa plateia ainda pouco compacta mas que foi aumentando progressivamente de dimensão logo assim que os amplificadores foram ligados e os primeiros acordes ecoados pelo interior do edifício. Este tridente ofensivo que detona um fervilhante, agressivo, bombástico e pujante Sludge Metal – distorcido por um caótico, estrondoso e belicoso Noise e enrijecido por um fogoso, gorduroso e fibrótico Grunge Rock – arrancou numa turbulenta cavalgada, esporeada a alucinante velocidade, mas que foi parcialmente prejudicada pela imperfeita qualidade técnica do som que esteve demasiado estridente e cru. Ainda assim, isso não impediu a crescente audiência de sacudir as cabeças em resposta a uma vulcânica guitarra de riffs escaldantes, inflamados e crepitantes, um baixo possante de linhas coesas, tensas e densas, uma espalhafatosa bateria pontapeada a um ritmo frenético e enérgico, e aos raivosos vocais vociferados a infernal corrosão.


A narcotizante aterragem em Mars Red Sky

Seguia-se o conhecido power-trio francês Mars Red Sky e os já muitos corpos ali presentes na plateia reaproximavam-se do palco. E foi já com a Sala La Paqui muito próxima da lotação máxima que todos embarcámos numa narcótica odisseia até à empoeirada atmosfera do planeta vermelho, tendo como principal combustível um letárgico, pesado, ácido e hipnótico Heavy Psych com momentâneas passagens por um pantanoso, morfínico, tóxico e umbroso Psychedelic Doom. Amortalhados numa atmosfera entorpecida e fumacenta, baloiçámos pesadamente os nossos corpos embriagados à absorvente boleia de uma guitarra lisérgica que se avolumava em montanhosos, pausados e efervescentes riffs e viajava em solos siderais, leves e espectrais, um baixo rosnante de bafagem carregada, polposa e musculada, uma bateria intensa de batida seca, forte e explosiva, e uma voz aguda, frágil e penetrante de timbre ecoante. Saltitando pela sua discografia, a banda sediada na cidade francesa de Bordéus teve no seu hino “Strong Reflection” o previsível clímax da sua imersiva actuação, e foi debaixo de uma ruidosa ovação que os Mars Red Sky se despediram de Madrid.


Um Bulldozer chamado The Obsessed

Foi de punhos e garrafas de cerveja ao alto, e barulhentos clamores condimentados a imoderado entusiasmo que brindámos a chegada da histórica banda de Doom Metal (um dos bastiões do género), recém-remodelada para quarteto, e liderada pelo lendário e carismático Wino com o seu longo cabelo grisalho, velho colete desabotoado e olhar intimidante. Deles esperava muito e tudo eles me deram. Aos primeiros acordes do tema inaugural ficou logo a pairar a forte convicção generalizada de que The Obsessed ao vivo iria ser uma experiência verdadeiramente demolidora. Munidos de um combativo, serpenteante, enleante e altivo Doom Metal de raiz tradicional, estes ameaçadores motards de instrumentos empunhados arrancaram para uma performance intensamente selvática que não deixara ninguém indiferente. Fiéis discípulos dos seus gloriosos, epidémicos, despóticos e poderosos Riffs, soltámos as cabeças em enlouquecedores rodopios e desancorámos os nossos corpos da lisergia em nós deixada pela banda anterior. Estávamos todos derrotados perante a força bruta impiedosamente exercida pelo quarteto natural de Maryland. The Obsessed foi uma trevosa e mastodôntica avalanche que nos atropelara e soterrara sem qualquer misericórdia. Num equilíbrio perfeito entre temas clássicos dos 90’s como por exemplo “Streetside”, “Tombstone Highway” e “Brother Blue Steel”, e outros de roupagem contemporânea como “Sodden Jackal”, “Punk Crusher” e “Sacred” (retirados do seu último álbum de estúdio), a banda norte-americana foi um autêntico rolo compressor que tudo assolara e conquistara à sua volta. Na composição desta enfeitiçante negrura estiveram duas guitarras assassinas que se agigantavam na ascensão de riffs flexuosos, carnudos, sisudos e imperiosos, e esvoaçavam na condução de solos ziguezagueantes, fugidios, escorregadios e estonteantes, um robusto baixo de monolítica, sombreada, rija e granítica reverberação, uma incisiva bateria metralhada e bombardeada a velocidades contrastadas, e uma voz liderante de pele sóbria e entoação intrigante. Foi um concerto de dimensão titânica e validade vitalícia com um final verdadeiramente apoteótico, onde “Lost Sun Dance” (tema originário do portentoso álbum de estreia de Spirit Caravan, um outro velho projecto de Wino) levou toda a plateia a morder os lábios.


A ofuscante sedução de Graveyard

Os escandinavos Graveyard nem precisaram de começar a tocar para que a esgotada Sala La Paqui eclodisse num saturado e incontrolado êxtase que nos sobreaqueceu o espírito com o acumular dos temas que iam reproduzindo de forma irrepreensivelmente erótica acima de palco. A populosa plateia estava ao rubro. Os corpos embatiam entre si, os olhares cruzavam-se e os sorrisos encontravam-se. Enternecidos e maravilhados com as mélicas baladas, atiçados e euforizados com as ardentes galopadas, testemunhámos, inteiramente fascinados e de ouvidos salivantes, o concerto de uma vida. Atrelados a um libidinoso, quente, picante e lustroso Hard Rock de tonalidade clássica onde se envaidece um charmoso, elegante, apaixonante e majestoso Blues Rock de ares aristocráticos, os imensamente talentosos Graveyard percorreram os seus últimos quatro álbuns (com principal enfoque no ‘Hisingen Blues’ de 2011 e no ‘Peace’ de 2018), deixando esquecido – com muita pena minha, já que se trata do meu registo favorito da banda – o seu impecável álbum de estreia. Temas como “Hisingen Blues”, “No Good, Mr. Holden”, “Cold Love”, “Uncomfortably Numb”, “Buying Truth (Tack & Förlåt)”, “Please Don't”, “It Ain't Over Yet “, “Slow Motion Countdown” e o triunfal “Ain't Fit to Live Here” a finalizar o encore, causaram toda uma pirotécnica e efervescente combustão de puro prazer num público completamente inebriado, deslumbrado e conquistado que entoava a plenos pulmões as letras de todos os temas dos suecos. Todos nós dançávamos ao provocante som de duas guitarras afrodisíacas que se entrelaçavam em acordes meticulosos, romanescos e pomposos, e se desencontravam com a explosão de trepidantes, giratórios e delirantes solos, um baixo dançante de pulsação estética, magnética e ondeante, uma bateria acrobática e expressiva de tambores galopantes e pratos flamejantes, e ainda dos vocais fragosos, roucos e melodiosos de queimantes rugidos felinos que iam repartindo o protagonismo por detrás do microfone com a voz límpida, sedosa e adocicada do baixista. Graveyard brindaram todos os presentes com uma entrega total. Uma performance verdadeiramente preciosa e estratosférica, que resvalou as costuras da perfeição, e que decerto nenhum dos presentes jamais irá esquecer.


Esta décima edição do Kristonfest foi memorável. Dela trouxe dois concertos de uma vida e o forte desejo de regressar a este festival madrileno no próximo ano. Obrigado ao Gorka pelo convite. Foi um prazer estar associado a este evento na condição de parceiro media.

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