terça-feira, 27 de maio de 2025

Review: ⚔️ Witchcraft - 'Idag' (2025, Heavy Psych Sounds) ⚔️

★★★★

Com vinte e cinco anos de existência, os suecos Witchcraft ostentam hoje o invejável estatuto de banda histórica. Depois de um início fulgurante, produtivo e triunfante, onde a formação nórdica nos presenteou com o lançamento de três emblemáticos álbuns, imensamente reverenciados, editados num intervalo temporal de apenas três anos – escrevendo, assim, com incontornável destaque o nome da banda em letras garrafais na numerosa lista dos herdeiros de Black Sabbath – que tive o privilégio de experienciar ao vivo no já longínquo verão espanhol de 2009 durante a inesquecível e saudosa segunda edição do Festival de Rock y Psicodelia Castell de Guadalest, os druidas Witchcraft mergulharam num inesperado, estranho e evolutivo processo de desinspiração musical, um conflito de identidade cujo pináculo foi alcançado com o fabrico do largamente incompreendido ‘Black Metal’ em 2020, semeando um crescente sentimento de desconfiança e desalento no seio da sua populosa legião de seguidores. É então que a banda, como que num súbito despertar de uma longa hibernação, reaparece com a promessa deixada pelo seu líder Magnus Pelander de que o novo álbum que se avizinhava mostraria o melhor lado de Witchcraft e recuperaria a sua gloriosa reputação junto dos fãs. E assim aconteceu. ‘Idag’ representa o tão ansiado regresso às velhas raízes dos suecos e o acordar de uma banda lendária que passou demasiado tempo à margem das apreciações elogiosas. Com o carimbo da companhia discográfica romana Heavy Psych Sounds e exteriorizado sob os formatos LP, CD e digital, este sétimo trabalho da banda originária da cidade de Örebro é forjado no intenso fogo de um sisudo, denso, tenso e amaldiçoado Proto-Doom de trevosas ressonâncias Black Sabbath’icas e Pentagram’icas, e posteriormente arrefecido num pastoral, rústico, acústico e medieval Folk de clima outonal. Alternando entre malfadadas, intimistas e romancistas baladas de desarmante beleza gótica e pesadas, fibrosas e umbrosas galopadas de espadas e lanças empunhadas, ‘Idag’ é um álbum sepulcral, melancólico e escultural, de enfeitiçante envolvência nocturna, abraçado pelo obscurantismo e marcado pelo ocultismo, que é tocado à bruxuleante luz das lavaredas dançantes de uma fogueira que deflagra na negra intimidade da noite, num bosque silencioso e sob o olhar atento de intimidantes corujas, cujas faúlhas crepitantes, incandescentes e esvoaçantes se perdem e apagam a caminho da Lua cheia. A sua sonoridade poética, profética e pagã – repleta de diabruras que nos seduzem e conduzem ao lado eclipsado da religiosidade – anoitece e estarrece o nosso espírito. Sorumbática, fascinante e enigmática, esta nova obra de Witchcraft representa tudo aquilo por que há tanto tantos ansiavam. Um contador de histórias, trovador e conquistador, que, num feitiço inquebrável, nos absorve e comove da primeira à derradeira canção. Bailem compenetrados e de corpos desnudos e transpirados à irresistível boleia de uma guitarra feiticeira que se meneia em volumosos, líricos, lamentosos e rugosos riffs de onde são escoados ácidos, serpenteantes e alucinados solos, um baixo de reverberação altiva, carrancuda, nervuda e opressiva, uma bateria bailante, ritmada e provocante de pratos flamejantes e tambores troantes, e uma voz vampírica, melódica e embruxada de pele pálida, avinagrada e enregelada, cantada em duas línguas (sueca e inglesa). A portada de ‘Idag’ dá palco à belíssima pintura do ilustrador sueco John Bauer (1882–1918) denominada “En riddare red fram”. Comunguem este sacramento de Witchcraft e deixem-se cair na sua tentação. Este é um ritual que nos incendeia de paixão. Um registo que toca a perfeição. Reconvertam-se a esta religião.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

♠️ Lemmy Kilmister // Motörhead

⛱️ Neil Young

⭕️ Grand Funk Railroad

Review: 🌅 Causa Sui - 'In Flux' (2025, El Paraiso Records) 🌅

★★★★

Em cada anúncio da produção de um novo álbum dos escandinavos Causa Sui vejo um renovado motivo para sorrir e fazer explodir toda uma pirotecnia emocional. Tem sido assim ao longo das duas últimas décadas. Desde 2005 que a banda dinamarquesa – domiciliada na cidade de Odense – materializa todos os seus já numerosos rasgos de inesgotável criatividade, ostentando uma invejável fertilidade musical que resulta numa considerável, admirável e heterogénea discografia detentora de um amplo espectro sonoro que viaja o ouvinte de imersivos, anestésicos e deíficos estádios contemplativos até outros mais fogosos, vibrantes, rugosos e agressivos. ‘In Flux’ – o novíssimo álbum do quarteto, editado pela insuspeita El Paraiso Records através dos formatos LP (entretanto já esgotado), CD e digital – representa mais uma sagrada peregrinação de Causa Sui pelos vastos oceanos da introspecção. Um bálsamo de consagração espiritual que comungamos e nos faz vogar pelas sossegadas, mornas e translúcidas águas de um reconfortante, arejado, ensolarado e deslumbrante Psychedelic Rock de suor latino entrelaçado num relaxante, hipnótico, exótico e dançante Krautrock de inspiração germânica. Radiante, fluído, acetinado e enfeitiçante, ‘In Flux’ é uma obra de estonteante e desarmante beleza ambiental – de clima estival e sabor tropical – que nos ancora num imperturbável estado de ataráxica sonolência. A sua sonoridade letárgica, nirvânica e seráfica – herdeira de bandas como Grateful Dead, Santana, Malo, The MermenCAN, Agitation Free e Gila – seduz, circunda e conduz o imaginário do ouvinte pelas paradisíacas praias – de afago mental e luzência virginal – onde reluz um dilatado e amarelecido Sol de bafo quente, grasnam gaivotas que sobrevoam todo um imenso mar azul-turquesa de ondas que desmaiam numa lenta rebentação espumosa, e se estende um extenso areal de coloração bronzeada e textura aveludada onde enterramos os nossos pés e arremessamos o olhar embriagado até onde a vista pode alcançar. Um polposo, fresco, alaranjado e delicioso cocktail que ingerimos enquanto perseguimos com o olhar maravilhado surfistas golpear, ziguezaguear e cavalgar a crista das ondas durante um mágico crepúsculo que nos inunda de luz solar e de uma inapagável sensação de pleno bem-estar. De lucidez embaciada e tomados por uma leve embriaguez que nos eteriza e canaliza através de um delirante caleidoscópio rodopiado a lisérgico psicadelismo, somos cativados e gravitados em órbita de uma guitarra bailante que se espreguiça em acordes repetitivos, esponjosos, odorosos e lenitivos, um baixo vagabundo de linhas ondeantes, sombreadas, delicadas e magnetizantes, uma bateria cerimonial de ritmos desinibidos, acrobáticos, jazzísticos e tribais, e um envolvente teclado de frescas, doces, leves e romanescas harmonias. ‘In Flux’ é um registo edénico, dirigido a fluidez, ligeireza, subtileza e placidez. Filho de um ofuscante experimentalismo colhido no jardim cósmico, este novo álbum de Causa Sui é um poderoso narcótico que nos liberta numa transcendência divina. Um registo ternurento, meloso, lustroso e temulento – habitado por atmosferas atraentes e misteriosas que se vão desvelando e esclarecendo vagarosa e progressivamente – que nos massaja e viaja pelas perpétuas planícies da reflexão. Destaco, com vaidade, o límpido e sublime tema "Moledo" que faz uma merecida alusão ao SonicBlast (festival português do qual sou orgulhosamente parceiro media e que tem lugar todos os verões na costa norte de Portugal, gozando hoje de uma crescente reputação mundial) pelo qual a banda nutre uma incomensurável estima, agora corporizada e imortalizada na sua música. Percam-se e encontrem-se numa compenetrada dança pelos serpenteios enleantes deste ritualista ‘In Flux’. Este é provavelmente o álbum mais zen de Causa Sui e seguramente um dos mais bonitos e agradáveis da sua imaculada discografia.

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segunda-feira, 19 de maio de 2025

🌞 Jimi Hendrix

Review: 🌵 El Saguaro - 'Enthusiecstasy' EP (2025, Pink Tank Recs) 🌵

★★★★

Portugal tem uma nova banda de que se orgulhar. Domiciliada em Lisboa, a recém-nascida e muito promissora banda El Saguaro acaba de desabrochar o seu fabuloso EP de estreia denominado ‘Enthusiecstasy’ e editado pela germânica Pink Tank Records através de uma ultra-limitada, colorida e magistral edição em vinil (prensagem de apenas 300 cópias) e do formato digital. Farolizada por um torneado, oleoso, estiloso e musculado Heavy Blues de tracção setentista que dá as mãos a um fogoso, ritmado, apimentado e libidinoso Heavy Psych de salgado sabor oceânico, a tropical, estival, exótica e afrodisíaca sonoridade deste irreverente tridente presta uma bonita homenagem a clássicas referências como Jimi Hendrix, Santana, Grand Funk Railroad, Cactus, Steppenwolf, Leaf Hound e Pappo’s Blues, assim como a outras bandas da contemporaneidade como Radio Moscow, The Heavy Eyes, Amplified Heat, Prisma Circus, Cachemira, Joy, The Black WizardsThe Dues. De rédeas firmemente empunhadas, texanas empoeiradas, esporas ensanguentadas, pele bronzeada e visão encandeada pelo refulgente Sol debruçado nas longínquas montanhas que recortam o inalcançável firmamento, cavalgamos pelas tisnadas, quentes e aveludadas areias do deserto, contornando imponentes cactos que se espreguiçam na direcção do imenso e desanuviado céu azul-turquesa, e inalando a fresca, aromatizada e revitalizante brisa ventilada pela noite estrelada que se avizinha. ‘Enthusiecstasy’ é um queimante trago de tequila misturada com alucinante mescalina que nos prazenteia e incendeia numa fervura de boas vibrações. Um saloon situado e isolado no coração do deserto solitário onde nos refrescamos, relaxamos e regeneramos antes de saltarmos novamente para as costas do cavalo e vogarmos os arenosos e aventurosos mares. Compartimentado por quatro apaixonantes temas de almas aparentadas e condimentado por uma aura de forte odor vintage, este arrebatador EP é soberbamente musicado por uma guitarra sexy que se evidencia na condução de chamejantes, picantes, eróticos e viciantes riffs e na centrifugação de um colorido caleidoscópio de solos borbulhantes, ácidos, alucinados e electrizantes, um baixo groovy de linhas hipnotizantes, encaracoladas, fibradas e serpenteantes, uma bateria funky de ritmos provocantes, vibrantes, desembaraçados e cativantes, e uma assanhada, felina, áspera e galante voz cantada em dois idiomas. De destacar ainda o inacreditável artwork onde o nosso olhar se perde, naufraga e não mais vem à tona – de créditos apontados à brilhante ilustradora portuguesa Echo Echo Illustrations – que confere a este deslumbrante EP um dos mais belos rostos que me recordo de ver num disco, fazendo dele uma obra de compra obrigatória. São 24 minutos de inapagável encantamento que nos faz salivar e recostar num autêntico oásis espiritual. ‘Enthusiecstasy’ é um registo verdadeiramente irresistível, de corpo reptiliano e intensa sedução, que só peca pela sua curta duração. Um dos mais fortes candidatos a EP do ano está aqui, na religiosa e espirituosa efervescência de El Saguaro. Banhem-se e bronzeiem-se na sua alta radiação ultravioleta.

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